E se deixássemos de usar glifosato, haveria alternativa?
O glifosato é um dos herbicidas mais utilizados do mundo. Em Portugal ainda é a escolha de muitos agricultores portugueses. Há quem considere que "a sua proibição pura e dura nem sequer é exequível". Há quem garanta que há alternativas.
Dewayne Johnson é um jardineiro de 46 anos. Durante vários anos, trabalhou numa escola na Califórnia, Estados Unidos, onde uma das suas tarefas era a aplicação de herbicidas. Chegava a fazê-lo 30 vezes num ano e, por duas vezes, encharcou-se acidentalmente nas preparações que ia aplicar. Os produtos que usava — o Roundup e o Ranger Pro — são produzidos pela gigante Monsanto e ambos contêm glifosato, um químico que tem sido objecto de muita controvérsia por causa do seu impacto no ambiente e na saúde humana. Em 2014, o jardineiro Dewayne foi diagnosticado com um linfoma e na sexta-feira a empresa, que em 2016 foi adquirida pela Bayer, foi condenada a pagar 289 milhões de dólares (251 milhões de euros) ao jardineiro.
Depois de um período de deliberação que durou três dias, o júri do julgamento que decorreu num tribunal em São Francisco, Califórnia, declarou que a Monsanto é culpada porque não avisou que o seu herbicida pode causar cancro. Este foi o primeiro caso relacionado com o glifosato a ir a julgamento. Mas, segundo a BBC, há outras cinco mil queixas do género só nos EUA.
O caso fez ressurgir a discussão sobre os efeitos na saúde e no ambiente desta substância que começou por ser utilizada nos produtos da Monsanto nos anos 1970, mas que hoje em dia já pode ser encontrada em herbicidas de outras marcas. Há quem queira proibi-la e, na Europa, a sua autorização é válida, pelo menos, até 2022. Mas, afinal, se for proibida, que alternativas existem ao herbicida usado para matar ervas daninhas?
Hans Dreyer, um especialista da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para a produção e protecção de plantas, explica ao PÚBLICO que o glifosato é um “herbicida de largo espectro, não selectivo, o que significa que não mata apenas ervas daninhas”. “É um dos herbicidas mais usados globalmente porque é barato e muito eficiente.” Quanto a alternativas, diz que “não há muitas” entre os herbicidas não selectivos. Actualmente, “há outras duas opções”: o glufosinato de amónio e o paraquato (que em Portugal já não está disponível). Entre os herbicidas selectivos — que são mais tóxicos para umas plantas do que para outras —, “há muitas alternativas, mas não se comparam ao glifosato em eficácia”.
A base de dados de insecticidas e herbicidas autorizados na União Europeia indica que, em Portugal, há 83 substâncias activas que podem ser usadas em herbicidas. No território europeu são 119.
A investigadora da Universidade de Wageningen, na Holanda, Vera Silva, que esteve envolvida num estudo sobre a presença de glifosato no solo, também concorda que o facto de ser “barato e eficiente e com um largo espectro de acção” ditam o seu sucesso. “Muitos agricultores aplicam o produto várias vezes ao ano, apesar de o controlo químico dever ser o último recurso no controlo de pragas, pestes e infestantes”, diz a investigadora. Para Vera Silva, há uma série de alternativas ao uso do glifosato e de outros herbicidas. Podem ser “medidas preventivas, controlo físico e controlo biológico”, detalha em respostas por escrito ao PÚBLICO. “As práticas culturais e medidas preventivas visam reduzir a germinação de infestantes e incluem, por exemplo, a rotação de culturas ou a cobertura do solo com uma camada de mulching [que consiste em cobrir o solo com folhas, troncos, ervas]. O controlo físico engloba a remoção manual e mecânica das ervas, bem como tratamentos por calor. No controlo biológico inclui-se o uso de insectos, fungos e outros animais para atacar as sementes, ou cabras, ovelhas, cavalos ou porcos que se alimentam das ervas ao mesmo tempo que fertilizam o solo.”
E o que aconteceria se, já a partir de amanhã, deixasse de ser possível aplicar glifosato? Em Portugal algumas câmaras já o fizeram. Hans Dreyer diz que isso colocaria uma “maior pressão” na procura por alternativas químicas e traria “abordagens mais inovadoras ao controlo mecânico das ervas daninhas”. Outra consequência podia ser “o investimento de mais dinheiro por parte da indústria no desenvolvimento de produtos com o mesmo modo de acção que o glifosato, mas não com as mesmas características”.
Desde 1991 que os pesticidas de síntese química, entre os quais se inclui o glifosato, são proibidos na agricultura biológica. Por isso, estes agricultores utilizam outras alternativas para controlar as ervas daninhas. “Para nós, estas ervas não são propriamente inimigos”, argumenta Jaime Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Agricultura Biológica (Agrobio).
Quando é preciso eliminá-las, há várias formas de o fazer, explica. Por exemplo, através da rotação de culturas; da cobertura do solo com outras plantas ou com telas que impeçam o crescimento das ervas daninhas; da monda manual, mecânica, térmica e a vapor; ou da solarização (que consiste na exposição do solo ao sol, o que queima as ervas indesejadas).
Paulo Lucas, membro da direcção da associação ambientalista Zero, defende que a discussão não se deve cingir à aplicação dos produtos que contêm glifosato. “Temos de discutir a utilização dos pesticidas na agricultura.” E lembra que “a agricultura biológica convive muito com estas ervas daninhas”.
Aplicação exige cuidados
Tanto os produtos que contêm glifosato como os outros herbicidas têm um modo de aplicação, doses recomendadas e intervalos de segurança que devem ser cumpridos. Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), lembra que “os agricultores são obrigados a ter cursos” onde aprendem a aplicar os fitofármacos e só depois de concluírem essa formação é que recebem um cartão que lhes permite adquiri-los.
O glifosato, diz, “é um produto que deve ser usado com regras muito precisas”. “Se se cumprirem as regras, não é perigoso.” O responsável da CAP defende, de resto, que “não há alternativas que cumpram o mesmo propósito que o glifosato”. E lembra que este produto, por ser barato e eficaz, “permite que as grandes commodities [por exemplo, cereais] tenham preços mais acessíveis”.
João Dinis, membro da direcção da Confederação Nacional da Agricultura e produtor com um hectare e meio de vinha e olival, também diz que aplicar estes produtos exige “sabedoria”. “Já queimei videiras a utilizar o Roundup.” O agricultor lembra ainda a necessidade de protecção e a obrigatoriedade da formação específica dos agricultores.
Este produto “é veneno”, admite. Porém, “é acessível do ponto de vista financeiro e é eficaz, pelo que é preciso tomar um conjunto de medidas eficazes”. “A sua proibição pura e dura nem sequer é exequível”, defende.
Faz mal ou não?
O interesse da comunidade científica na temática é tanto que só no ano passado se produziram mais de 700 estudos que continham a palavra “glifosato”, diz o professor do departamento de Química da Universidade de Coimbra, Sérgio Rodrigues.
Rodrigues já analisou mais de uma centena de estudos que se debruçam sobre a temática e diz que “não há um herbicida que não tenha os seus riscos”. O docente lembra que, “normalmente, tentam desenhá-los para que tenham o tempo de vida mais curto possível no ambiente”. “O glifosato é conhecido há muito tempo. Se nos causa algum problema é de forma indirecta”, detalha.
Na Europa, também se têm produzido estudos sobre os riscos desta substância. Nem todos concordantes. Em Março de 2015, antes da decisão sobre a extensão da autorização desta substância activa nos herbicidas comercializados na União Europeia — em vigor até 2022 —, a Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC, na sigla em inglês) da Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou que o herbicida era genotóxico e “provavelmente” um carcinogénico. Sete meses depois do relatório da IARC, a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar entendeu ser “pouco provável” que o glifosato constitua um “perigo carcinogénico para os humanos”.
Em Maio de 2016, foi publicado um terceiro relatório sobre o glifosato, elaborado por um comité conjunto da OMS e da FAO, que dava conta de ser “pouco provável que o glifosato tenha um risco carcinogénico” nos humanos devido a exposição através da dieta. Quase um ano depois, em Março de 2017, o Comité de Avaliação de Riscos da Agência Europeia de Produtos Químicos divulgou um outro relatório, no qual concluía “que não há um critério para classificar o glifosato como cancerígeno, mutagénico ou tóxico para a reprodução”, dizia na altura em comunicado.
Também a Bayer, um dia depois da sentença do tribunal de São Francisco, veio defender o polémico produto: “A decisão do tribunal [norte-americano] contradiz as conclusões científicas.” Vão recorrer.