Advocacia, uma profissão só para alguns

Muitos advogados estagiários depararam-se há dias com os resultados do exame de agregação à Ordem dos Advogados e a taxa de reprovação foi altíssima. Terão de repetir o estágio integralmente e, com isto, mais dois mil euros irão direitinhos para os cofres da Ordem.

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Yogi Atmo/Unsplash

Permitam-me que, mais uma vez, me verse sobre esta profissão e os seus meandros, uma vez que os problemas e complexidades a si associados são tantos que é impossível não esgrimir umas palavras sobre a actual situação.

Enquanto o Verão corre calmamente e sem grandes sobressaltos, muitos advogados estagiários depararam-se há dias com os resultados do exame de agregação à Ordem dos Advogados e, como seria de esperar, a taxa de reprovação foi altíssima. Poucos foram os que concluíram com sucesso esta fase de acesso à profissão, apesar de meses e meses de trabalho de escritório, assistências e intervenções e muito dinheiro despendido; grande parte dos que se propuseram a exame ficou pelo caminho.

Ora, não sendo possível concluir com sucesso esta fase, segue-se a repetição integral de mais um ano e meio de estudo, trabalho e objectivos. Nenhuma das intervenções exigidas e realizadas, bem como assistências e feitura de peças processuais, são aproveitadas na repetição do estágio, fazendo com que os estagiários tenham de o repetir integralmente, como se até ao momento nada tivessem feito, como se nada tivessem aprendido ou realizado. São mais uns meses de aulas obrigatórias e, com isto, mais dois mil euros que irão direitinhos para os cofres da Ordem dos Advogados. Não existe a possibilidade de uma repetição digna do exame para que, depois de meses de sacrifício, possa ser dada uma segunda oportunidade a quem anda mais de um ano a correr de um lado para o outro para conseguir terminar esta fase.

Não será exagerado dizer que a Ordem dos Advogados vive mais preocupada com o aparentar da opulência que há muito esta profissão não tem, bem como arrecadar fundos como se de um senhor feudal se tratasse. Enquanto isso, há advogados que não têm os euros suficientes para poder exercer a sua profissão, a profissão pela qual lutaram e lutam todos os dias. É uma luta pela sobrevivência. Pela sobrevivência da dignidade de uma profissão que constitui ela própria um dos pilares fundamentais do Estado de Direito democrático num Portugal que se quer igualitário no que concerne às oportunidades e justo no seu acesso.

Não podemos almejar a justiça para os outros se nem para nós somos capazes de a exigir, num momento em que todos somos chamados a participar activamente na vida cívica e democrática do nosso país; sem essa intervenção estamos condenados ao deteriorar este sistema que tanto gostamos mas que não pode valer por si mesmo.

A advocacia não pode ser, como é, reservada à nobreza, a quem tem um patronato pessoal, como o são os pais, ou a quem tem um bom fundo de maneio para fazer face a todas as vicissitudes a que o acesso e exercício desta profissão estão sujeitos. Exige-se ao governo e à Ordem dos Advogados que façam mais e melhor no sentido de salvaguardar o direito que todos temos a aceder a esta ou outra profissão.

Se uma ordem profissional não defende nem ajuda os seus, afinal para que serve?

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