Assédio no trabalho “é tão dissimulado que a vítima interioriza que ela é que é culpada”
António Portelada é o autor do estudo Mobbing/Assédio no Trabalho em Professores. O investigador no Centro de Investigação em Educação e Psicologia, da Universidade de Évora, acredita que este tipo de agressão psicológica tende a agravar-se.
A maioria dos professores que identificaram como tendo sofrido situações de assédio psicológico não se reconhece como vítima...
O assédio é tão dissimulado, não é uma agressão física, que a própria vítima se questiona: “Será que sou eu que estou a proceder mal com esta pessoa? O que fiz de errado para ela está agir assim comigo?” E muitas vezes a vítima interioriza que é ela que é culpada.
O agressor, por regra, não se interessa por pessoas serviçais, mas por pessoas com méritos e êxitos. Quer ficar bem visto pelos colegas ou pelo chefe através da destruição do potencial inimigo.
Somos todos diferentes e há pessoas que não conseguem tolerar os comportamentos e sucessos dos outros. Isso torna-se mais evidente quando trabalham em equipa. Por isso é que a educação e a saúde são áreas mais sensíveis a este tipo de fenómenos.
Há sempre um desequilíbrio das relações de poder. É resultado de uma cultura instalada?
De certa forma sim. Ou é uma relação de poder do chefe para o subordinado, ou de um colega que considera que tem um estatuto superior. É comum que a vítima seja alguém que entra de novo no grupo de trabalho, que demonstra mais competência ou determinadas características extraordinárias. E o agressor tende a juntar colegas para deixar a vítima sozinha. Leva-a muitas vezes ao isolamento, ao despedimento ou, em casos extremos, ao suicídio.
As consequências na saúde que o estudo identifica podem afectar os professores no desempenho da actividade profissional?
Não chegámos a inquirir sobre as implicações nas aulas ou na relação com os alunos. Mas consequências como a irritabilidade e a desconcentração podem fazer com que a pessoa se exclua do grupo, comece a atacar pessoas alheias à situação e acabe por ser ela o factor desestabilizador.
Há uma tendência para que o mobbing se torne mais frequente?
Penso que cada vez mais estas situações se vão notar. Vivemos um momento em que mais do que nunca temos que apresentar resultados, há disputas sobre quem é o melhor, há avaliações de desempenho. É uma competição que deixa de ser saudável. E piora com o nível de qualificação. No estudo, identificámos que quanto maior é o nível educativo, maior a incidência de mobbing. Formam-se grupos que se tentam anular uns aos outros. O chefe, a direcção, é o ponto-chave para a gestão deste clima. Há medidas que não têm nenhum custo: distinguir o bom trabalho e incentivar os demais de uma forma positiva, mostrar preocupação, saber o que as pessoas querem ver mudado no local de trabalho. Um tipo de gestão que vemos lá fora, mas que em Portugal ainda tem muito caminho para fazer. A começar pelo facto de os directores serem identificados com os principais agressores.