Nike processada por promover ambiente de trabalho hostil para mulheres
Quatro antigas trabalhadoras processaram a empresa por queixas de assédio sexual e disparidade salarial que ficaram sem resposta.
Um grupo de antigas trabalhadoras da Nike avançou com uma acção judicial colectiva contra a empresa: as quatro mulheres acusam a gigante do equipamento desportivo de perpetuar uma cultura de assédio sexual e disparidade salarial entre género. As queixas de várias colaboradoras da marca tornaram-se conhecidas no início do ano e, entre Março e Abril, 11 executivos foram afastados da empresa — entre eles, o antigo presidente Trevor Edwards, que se demitiu. Alegadamente, o antigo presidente promovia “um ambiente de trabalho hostil contra mulheres”.
A Nike foi acusada de violar duas leis sobre igualdade salarial (uma federal e a outra estatal) e a lei de igualdade do estado do Oregon, que proíbe a discriminação com base na orientação sexual e identidade de género, cita o jornal local Oregonian. No processo que agora avança na justiça norte-americana, as quatro mulheres não pedem nenhuma compensação monetária pelos danos; pedem, antes, que se investiguem as práticas discriminatórias da Nike.
Foi numa investigação do New York Times que começaram a surgir algumas histórias de assédio sexual e disparidade salarial no "império" Nike. Supervisores que se gabavam dos preservativos que traziam sempre consigo; um responsável que tentou beijar uma subordinada à força ou uma discussão, durante um jantar de negócios, sobre os melhores clubes de striptease de Portland, são alguns exemplos.
As histórias de duas das mulheres que agora avançam com o processo também foram publicadas pelo New York Times e pelo Oregonian. Uma delas é a de Sara Johnston, que afirma que um colega de trabalho se tornou hostil depois de ter negado as suas investidas sexuais. Johnston trabalhava no departamento de contabilidade e de sistemas de análise e, alegadamente, recebia e-mails com fotografias explícitas de um colega de trabalho. Como Johnston não se mostrou interessada, o colega começou a culpá-la pelos problemas do departamento, a rejeitar as suas propostas e a recusar-se a ir às reuniões lideradas por ela.
Quando apresentou queixa junto dos recursos humanos, em 2016, recebeu como resposta que o problema era a “cultura em torno do álcool” que a empresa promovia involuntariamente. De acordo com o processo, a Nike aconselhou Johnston a ser “menos sensível a essas mensagens”, cita o Oregonian. A colaboradora deixou a empresa pouco tempo depois.
Outra das mulheres que avançou com o processo é a antiga directora de Marketing da Nike.com, Kelly Cahill, que trabalhou para a empresa durante quatro anos. Em 2017, processou a empresa porque, alegadamente, ganhava menos 20 mil dólares por ano (aproximadamente 18 mil euros) do que os colegas do sexo masculino pelo mesmo trabalho. Confrontado com esta informação, o chefe do departamento, Danny Tawuiah, nada fez. E nada aconteceu, mesmo depois das quatro queixas preenchidas junto dos recursos humanos. Por isso, Cahill escolheu despedir-se e começou a trabalhar para uma dos principais competidores: a Adidas.
“Os números não mentem”
De acordo com o jornal local Oregonian, a empresa já admitiu publicamente que tem um problema com a igualdade de género. A Nike parece estar consciente da necessidade de mudar: de acordo com o site Fast Company, os trabalhadores da Nike receberam, em Julho, um memorando interno onde se lia que a empresa estava a alterar o programa de compensações para aumentar a diversidade e alcançar os objectivos de igualdade.
Entre Março e Abril, na sequência da demissão do antigo presidente da empresa, Trevor Edwards, foram afastadas outras 10 pessoas do seu círculo de influência, que, alegadamente, perpetuavam a cultura de assédio e de discriminação.
“As mulheres que entram na empresa recebem menos do que os homens, são avaliadas com mais severidade, e, como resultado, têm aumentos e bónus menores”, explicou Laura Salerno Owens, advogada na área do trabalho que já acompanhou 50 outras mulheres que saíram da Nike com queixas semelhantes. No entender da especialista, ouvida pelo Oregonian, a Nike quer lavar as mãos dando a entender que se livrou das “pessoas responsáveis por este problema”, mas “não é esse o caso”, disse a advogada.
“Os números não mentem”, continua Salerno Owens. “À escala global, actualmente 77% da liderança da Nike é composta por homens; 71% dos vice-presidentes são homens e 62% dos directores são homens.” De acordo com os números oficiais da Nike, citados pelo New York Times, as mulheres representam metade do total de trabalhadores da empresa, mas poucas são as que chegam às chefias.
E as vendas da empresa começam a ressentir-se. Com um valor de mercado de cerca de 112 mil milhões de dólares e lucros anuais na ordem dos 36 mil milhões de dólares, a marca está a ter dificuldade em ganhar terreno face aos competidores directos, como a Adidas, em áreas como roupa e calçado. Em particular, a Nike parece não conseguir captar a atenção de um segmento em crescimento no mercado: as mulheres.
Alguns dos entrevistados pelo New York Times, que preferiram manter o anonimato, disseram que a dificuldade em atrair compradoras reflecte, em parte, “a falta de liderança feminina”, num ambiente que favorece vezes sem conta “as vozes masculinas”.
Esta não é a primeira história de disparidade salarial a saltar para as notícias. No início de 2018, um grupo de 170 mulheres do canal britânico BBC exigiu um pedido de desculpa, salários retroactivos e um ajuste nas reformas para combater a desigualdade salarial entre homens e mulheres. As exigências surgiram depois da demissão de Carrie Gracie do cargo de editora da BBC China e como forma de denunciar a “cultura salarial secreta e ilegal” da empresa, por não ter o mesmo salário que os seus colegas homens que ocupam funções idênticas. Depois disso, seis apresentadores do canal britânico aceitaram negociar as suas condições salariais para equilibrar as desigualdades em relação à remuneração da equipa.
Também os produtores da série The Crown viram-se obrigados a pedir desculpa por uma situação de disparidade salarial em que a "rainha de Inglaterra ganhava menos do que o príncipe": no caso, descobriu-se que a actriz Claire Foy ganhava menos do que o actor Matt Smith durante a rodagem da série.
No campo do assédio sexual em grandes empresas, também a Uber se viu a braços com uma crise interna depois de, em 2017, Susan Fowler, antiga engenheira da Uber ter denunciado vários episódios de assédio sexual e sexismo que ficaram sem resposta. Travis Kalanick, director executivo, abordou a questão numa reunião interna e pediu desculpa.