“O mundo precisa de ver mais crianças mortas para acabar com a guerra no Iémen?”
Iemenitas ainda procuram restos humanos entre os escombros do bombardeamento que atingiu um autocarro cheio de crianças e matou pelo menos 40.
A pergunta – “O mundo precisa mesmo de ver mais crianças inocentes mortas para acabar com a cruel guerra no Iémen?” – é do director da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) no Médio Oriente, Geert Cappelaere. A resposta, que este responsável já conhece, é que ninguém vai pôr fim a esta guerra, nem com as imagens das pelo menos 40 crianças mortas no bombardeamento saudita que atingiu um autocarro que as levava para uma aula de Corão.
Os iemenitas sentem-se tão abandonados que o pedido do secretário-geral da ONU, António Guterres, para “uma investigação imediata e independente” chegou para “incutir esperança em alguns, convencidos que o mundo se tinha esquecido completamente deles”, diz Mohammed Adow, jornalista da Al-Jazira no Djibouti. Estava previsto que o Conselho de Segurança se reunisse para discutir o conflito ainda esta sexta-feira – um encontro pedido pela Bolívia, Peru, Holanda, Polónia e Suécia, todos membros não permanentes (sem direito de veto).
Tal como em debates anteriores, dificilmente sairá alguma resolução significativa do principal órgão executivo das Nações Unidas. Um dos membros permanentes, os Estados Unidos, dá apoio logístico à coligação formada em 2015 por Riad para repor no poder o Presidente Abd Rabbo Mansour e derrotar os rebeldes houthis (xiitas e com laços ao Irão). Desde então, morreram pelo menos dez mil pessoas, diz a ONU, e a tragédia que caiu sobre os iemenitas transformou-se na pior crise humanitária do mundo.
Washington pediu à coligação para abrir um inquérito – todos os já realizados, na sequência de alguns dos bombardeamentos que mataram centenas ou dezenas de civis, ilibaram os seus membros. O Reino Unido, que se afirmou “profundamente preocupado pelo ataque que resultou na morte trágica de tantas crianças”, e pediu “uma investigação transparente”, vende algumas das armas que a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos usam no Iémen.
Responsáveis do governo houthi actualizaram o número de vítimas do ataque de quinta-feira para “51 pessoas, incluindo 40 crianças” e 79 feridos, dos quais 56 são crianças. O Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) recebeu no seu hospital “30 mortos e 48 feridos, a vasta maioria crianças” todas com menos de 15 anos, afirmou Johannes Bruwer, chefe da delegação que se mantém no país. O CICV diz saber de pelo menos 77 feridos e explica que as vítimas foram levadas para diferentes locais.
Houthis e Cruz Vermelha acreditam que o número de mortos vai crescer: a maioria das clínicas em Saada, no Norte do país, estão meias destruídas e já não têm medicamentos ou equipamento básico; falta sangue também. Ao mesmo tempo, no local em que os mísseis caíram, ainda havia restos de corpos entre os pedaços do próprio autocarro e destroços de outras viaturas e casas atingidas. Por todo o lado se viam pequenos rios de sangue e mochilas azuis que a UNICEF distribui pelas crianças refugiadas ou deslocadas em todo o mundo, também salpicadas de sangue.
Há crianças ainda desaparecidas e os funerais, habitualmente muito rápidos no caso dos muçulmanos, estavam a ser adiados por isso. “Tenho dois irmãos, Hassan e Yehia, são mais pequenos do que eu”, grita um rapaz, ferido, num dos vídeos divulgados onde se vêem sobreviventes rodeados por médicos. “Onde estão os meus irmãos...?”, insistia. “Não quero ajuda até os ver”.
“Estou horrorizada a ver imagens e vídeos que chegam de Saada e não tenho palavras. Como é que isto era um alvo militar? Porque é que estão a matar crianças?”, escreveu no Twitter Meritxell Relano, a representante residente da UNICEF no Iémen. Para já, o porta-voz da coligação, o coronel Turki al-Malki, diz que os ataques “cumprem as leis internacionais e humanitárias” – o alvo seria um autocarro com rebeldes, afirma, acusando os houthis de usarem crianças como escudos humanos.