Com Vítor Sobral, pão, pão, queijo, queijo

Muitas horas de experiências com variadas farinhas e massas-mãe, tempos longos de fermentação, e os pães do novo projecto do chef, com o padeiro Mário Rolando, estão finalmente aí, numa esquina de Campo de Ourique.

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RITA RODRIGUES
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Foram as padarias de São Paulo que inspiraram Vítor Sobral quando pensou em abrir a Padaria da Esquina em Lisboa. Não é por acaso que o seu primeiro projecto chamado Padaria surgiu naquela cidade brasileira — e também não será por acaso que foi já considerada, em dois anos consecutivos, a Melhor Padaria da Cidade pela revista Veja.

Mas os lisboetas não estão ainda habituados a este conceito, por isso, nestas primeiras semanas de abertura do novo espaço, situado mesmo por trás do Mercado de Campo de Ourique, Sobral quer explicar bem o que se pode esperar da sua padaria. Fica numa esquina, claro, e o espaço divide-se entre o balcão (pão, logo à entrada, mas depois os bolos e outros produtos) e algumas (não muitas) mesas.

Não é, portanto, um café tradicional, embora nos possamos sentar e comer, tomar um sumo ou um café. É, sobretudo, uma padaria, onde se pode comprar pão, e uma loja, onde se podem comprar várias outras coisas, desde tábuas de queijos e enchidos já preparadas a mel, azeite, alguns vinhos, cervejas artesanais, “tudo o que normalmente acompanhamos com pão, ao pequeno-almoço, ao lanche e até ao almoço”, explica o chef.

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“Este conceito de padaria é uma coisa que não existe, que está a ser criada em Lisboa”, sublinha. “Os clientes entram aqui e ainda estão a perguntar se temos café, não há o hábito de ver a carta quando se está a tomar o pequeno-almoço, tudo isso é novo.” A carta tem três menus de pequeno-almoço (8, 12 e 18 euros), tem sandes simples, com diferentes tipos de queijo (flamengo, São Jorge, Ilha Azul, requeijão, peru fumado, presunto ou simplesmente manteiga), sandes compostas (que dão para um almoço) e sumos naturais. 

O que aqui faz a diferença, sublinha Sobral, é a qualidade dos produtos. Já falaremos do pão (essa é uma conversa para ter com Mário Rolando, o padeiro, que se encontra na zona de produção, em Sete Rios), primeiro vamos aos outros produtos, que Sobral seleccionou entre os que mais gosta em Portugal. Os queijos, por exemplo, são “das regiões mais conhecidas, Serpa, Serra da Estrela, muita coisa dos Açores”, tal como a manteiga Rainha do Pico, usada nas sandes feitas na casa.

Isso corresponde, diz, a uma preocupação com as gorduras que são utilizadas. “Hoje, para descer custos e fazer bolos grandes, usa-se gordura que, se alguém nos explicar como se faz, nenhum de nós quer comer. As gorduras que nós estamos a usar em toda a nossa confecção são apenas manteiga, azeite e banha.”

É o que usam nos bolos, por exemplo, que, por enquanto, são uma selecção do que Sobral descreve como “bolos de padaria” das suas memórias de infância: os queques, os bolos de arroz, os croissants (de massa lêveda, não folhada), os pães-de-deus, os pastéis de nata.

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Chegou o momento de falar da estrela, que aqui é o pão. “Sabíamos que o pão tinha que ter uma identidade portuguesa”, diz. “Mas optámos por não dizer que íamos fazer pão alentejano ou pão de Mafra porque pão de Mafra é em Mafra e alentejano é no Alentejo. Foram, no entanto, esses pães que nos deram inspiração para fazer os que temos hoje, e chamamos-lhes coisas como pão do padeiro, pão do mestre, pão da esquina.”

No centro de tudo está a farinha. “O pão português é feito com muitas misturas de farinha e é isso que está a acontecer aqui”, continua Sobral, aconselhando-nos, no entanto, a ouvir Mário Rolando, o homem que literalmente mergulhou num mundo de farinhas e massas-mãe e durante semanas fez inúmeras experiências das quais saíram os pães agora à venda. “Procurámos as melhores farinhas”, conta Mário, “mas queríamos algumas com características específicas que as grandes moagens nem sempre conseguem fazer para uma única padaria”. Por isso, a solução foi, em certos casos, “pegar na farinha e torná-la íntegra a jusante, corrigindo-a”, ou seja, juntando-lhe o gérmen e o farelo que ela tinha perdido e que “devia ter se tivesse sido moída na mó de pedra”.

Aliás, uma das ideias que têm, mas que ainda não tiveram tempo de pôr em prática, é a de instalar na zona de produção um pequeno moinho para poderem moer eles próprios os cereais. “Assim, adicionamos à mistura uma farinha moída por nós para dar ao pão um toque só nosso.”

Este é um mundo que não tem fim, diz Sobral, com um sorriso. “Imagine uma receita de pão alentejano, se eu tiver 12 farinhas diferentes são 12 pães diferentes. E se eu quiser fazer misturas de três, já viu a quantidade de combinações possíveis? Esse é o nosso problema neste momento. Farinha de trigo, 45, 55, 65 até 110, e depois há de várias proveniências. Vou misturar duas ou três? Qual a percentagem que vou pôr de cada uma? Tenho um padeiro que quer ir à perfeição e o múltiplo de hipóteses é tão grande que não é fácil.”

Para além das farinhas, Mário joga ainda com as massas-mãe, que podem dar ao pão maior acidez, deixá-lo mais doce ou ir buscar outros componentes que “ajudam a conferir aromas e sabores muito específicos”. Para já, quem for à Padaria da Esquina encontra vários pães que resultam das experiências feitas até agora, mas, ouvindo Mário Rolando, ficamos com a impressão de que esta é uma aventura que está só a começar e que nos próximos tempos veremos muitas coisas diferentes chegarem às prateleiras na mais recente esquina de Vítor Sobral.

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