O chef francês Joël Robuchon, dono de restaurantes gourmet em três continentes, vários deles com três estrelas Michelin, morreu esta segunda-feira, em Genebra, aos 73 anos. A notícia foi avançada por funcionários que trabalhavam com o cozinheiro francês.
Em 1990, Robuchon foi nomeado "chef do século” pelo guia de cozinha Gault et Millau pelas inovações que trouxe à cozinha francesa, considerado um dos precursores do pós-nouvelle cuisine. Conhecido pelo seu puré de batata, entre muitos outros pratos, o francês tinha restaurantes em cidades como Paris, Tóquio, Macau, Mónaco, Hong Kong, Las Vegas e Banguecoque. Era o chef com mais estrelas Michelin. De acordo com o site do chef francês, somava 28 insígnias douradas, distribuídas por 15 dos seus restaurantes. Quatro espaços envergavam três estrelas, em Hong Kong, Macau, Las Vegas e Tóquio.
Segundo o jornal francês Le Figaro, Robuchon lutava há largos meses contra um cancro no pâncreas. O mesmo jornal conta que, há uns anos, o chef tinha feito alterações à sua dieta, para a tornar mais saudável, banindo gorduras e açúcares. Depois de ter sido operado pela primeira vez ao pâncreas, no ano passado, venderia discretamente os restaurantes a um fundo de investimento, mantendo, no entanto, o vínculo ao império de restaurantes firmado num contrato a sete anos com os novos proprietários.
Joël Robuchon, nome conceituado da gastronomia francesa, começou a aprender a cozinhar quando, aos 12 anos, entrou para o seminário. O objectivo seria tornar-se padre, mas é ao ajudar as freiras a preparar as refeições no seminário que Robuchon descobre a paixão pela gastronomia. Aos 15 anos, entrou como aprendiz de cozinheiro no restaurante Relais de Poitiers, em Chasseneuil-du-Poitou, então liderado pelo chef Robert Auton. Em 1978, já como chef do Hotel Nikko, conquistou as duas primeiras estrelas Michelin. Tinha então 31 anos. Seriam as primeiras de muitas. Em 2016, somou um recorde de 32 insígnias douradas. Detinha actualmente 28.
Em 1996, completados 30 anos de carreira, Robuchon decidiu abandonar a restauração pura e dura, ainda que não totalmente. Perfeccionista implacável, cansara-se da haute cuisine, dos pratos demasiado técnicos, do quotidiano exaustivo e stressante. Mudou-se para Espanha, assentando arrais no sopé de Peñón de Ifach, um parque natural rochoso na província de Alicante.
A reforma, no entanto, não duraria muito tempo. O estilo de vida da costa valenciana acabou por inspirá-lo a criar um novo conceito gastronómico: os "ateliers" de cozinha, que replicaria por todo o mundo. Um balcão comprido com bancos altos em redor, pequenos pratos de perder o fôlego e uma experiência quase privada, onde as fronteiras entre cozinha e mesa se esbatem. Sem reservas antecipadas ou o afã dos restaurantes onde trabalhara. "Tive a ideia nos bares de tapas, que aprecio. Estava à procura de uma fórmula onde algo pudesse acontecer entre os clientes e os cozinheiros", contava ao Obs na inauguração do Atelier de Tóquio, em 2003.
Além de Espanha, o Japão era outros dos seus destinos preferidos e lugar de inspiração. Era o país onde detinha mais estrelas Michelin, sete, distribuídas por dois restaurantes gourmet e o atelier. Esta Primavera, abrira em Paris a Joël Robuchon-Dassai La Boutique, um espaço inspirado na cultura japonesa que reúne pastelaria, casa de chá, restaurante e bar de sake, em parceria com Hiroshi Sakurai, produtor do sake Dassai (licor de arroz). "Sinto-me muito apegado a este país [Japão], que tem influenciado a minha forma de cozinhar, incluindo a forma de apresentar os pratos, de respeitar as estações do ano, de brincar com os diferentes pratos", enumerava Robuchon ao Le Figaro na inauguração do espaço.
Joël Robuchon nasceu em 1945, na cidade francesa de Poitiers, no seio de uma família humilde, filho de pai pedreiro e mãe empregada doméstica. Para além do império de restaurantes, ateliers, lojas e adegas espalhado por três continentes, o discreto chef francês publicou cerca de 20 livros de cozinha ao longo da carreira e apresentou vários programas de culinária na televisão francesa. É tido como um dos primeiros chefs a quebrar a contenção da nouvelle cuisine e inaugurar uma era de autenticidade na gastronomia francesa. Famoso por tentar elevar até os pratos mais singelos ao melhor que estes poderiam ser. Como o icónico puré de batata. O segredo? Duzentos gramas de manteiga por cada quilo de tubérculo. Entre as especialidades, contam-se ainda o tártaro de salmão com cebola e ervas frescas, o ravioli de lagostim e trufas ou o creme de ouriços-do-mar e funcho.
"Quanto mais velho fico, mais percebo que a verdade é esta: quanto mais simples a comida, mais excepcional ela pode ser", afirmava Robuchon numa entrevista à Business Insider em 2014. "Nunca tento misturar mais do que três sabores no prato. Gosto de entrar numa cozinha e saber que os pratos são identificáveis e os ingredientes fáceis de detectar."
Miguel Castro e Silva e o Larousse Gastronomique
O nome de Joël Robuchon fica também associado ao Larousse Gastronomique, publicação que é a referência mundial da gastronomia e dos chefs, cujas últimas edições coordenou. Foi precisamente em 2007, quando preparava a segunda reedição da obra, que Robuchon convidou Miguel Castro e Silva a participar, com três das suas receitas. O chef será ainda hoje o único português com receitas no Larousse, mas quando, há cerca de dois anos e meio se cruzou com o grande mestre, nem disso se lembrou.
“Era uma pessoa simples, acessível e de grande inteligência. Uma figura ímpar dentro dos megachefs que a França produziu e que revolucionaram a cozinha mundial”, começa por referir o cozinheiro português, que, além do reconhecimento como um dos pioneiros da renovação da cozinha portuguesa, é também conhecido pela sua modéstia e distracção. “É verdade, quando nos encontrámos nem me lembrei desse episódio do Larousse. Coincidimos em Macau, em finais de 2015, e conversámos como colegas que participavam numa acção no Clube Militar. Estávamos ambos no Hotel Lisboa, cruzámo-nos ao pequeno-almoço e depois também à noite num copo descontraído com as respectivas equipas. É verdade que nessa altura nem me lembrei dessa colaboração para o Larousse”, desvaloriza o chef, para destacar o lado afável e de camaradagem simples da grande estrela.
Considerado como uma espécie de “bíblia” da cozinha de todo o mundo, o Larousse Gastronomique passou, desde a reedição de 2007, a incluir três receitas com a assinatura de Miguel Castro e Silva: terrina de polvo; bacalhau cozido a baixa temperatura com migas de nabiça; e cachaço de porco preto cozido em vácuo com ensopado de grão e cogumelos selvagens. Até então, as únicas referências a Portugal diziam respeito à cozinha tradicional.
Convidado para coordenar as reedições do Larousse, Joël Robuchon coordenava um comité gastronómico e foi através de carta que solicitou as três receitas ao chef português. Apesar do evidente reconhecimento e distinção que isso representou então – para ele e para a moderna cozinha portuguesa –, Miguel Castro e Silva insiste na modéstia. “Foi numa altura em que estávamos a lançar o projecto da Quinta da Romaneira [no Douro], eu estava a fazer os pratos e estava lá também um chef francês que tratava dos doces, o Philippe Conticini, que fazia parte do comité gastronómico do Larousse. Ficou muito curioso com a minha cozinha a baixa temperatura ligada à tradição portuguesa e foi ele que disse ao Robuchon para me pedirem as receitas”, revela Miguel Castro e Silva, que está agora prestes a voltar ao Porto com um novo restaurante na zona da Ribeira.
Outras reacções à morte do chef francês não tardaram. "Perdemos o pai das estrelas Michelin, o mais condecorado chef no mundo que nos manteve alerta. Mesmo quando estávamos a dormir. Merci, chef", escreveu, na sua conta de Instagram, o britânico Gordon Ramsay.
No Twitter, Benjamin Griveaux, porta-voz do governo francês, destacou o "savoir-faire constituído em arte" do chef "visionário", que "irradiou a gastronomia francesa e continuará a inspirar a jovem geração de chefs". Para Guillaume Gómez, chef de cozinha do Palácio do Eliseu, Joël Robuchon foi "o maior profissional que a cozinha francesa alguma vez teve". "O legado que nos deixa é imenso", defende o chef Eric Frechon na mesma rede social.