Com os glaciares a derreter, os paquistaneses “vivem entre a vida e a morte”

Fora da região polar, o Paquistão é o país que tem mais glaciares. Com as alterações climáticas, os glaciares correm o risco de entrar em colapso.

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A azul, glaciares Panmah e Choktoi na cordilheira de Caracórum F. Paul/The Cryosphere/USGS/NASA

Quando em Julho um lago glaciar se rompeu em Gilgit-Baltistão (província no Norte do Paquistão), Sher Baz observou impotente a casa da sua família ser arrastada pelas águas. Os moradores de Badswat, povoação daquela província que fica no vale do Ishkoman, no sopé dos picos cobertos de neve da cordilheira Indocuche, estão à mercê de inundações repentinas que levam casas, estradas e pontes, assim como culturas e florestas.

“Agradeço a Deus por estarmos vivos, mas tudo o que tínhamos foi levado pelas inundações quando o lago glaciar se rompeu”, reagiu Sher Baz, de 30 anos. Embora haja muitos glaciares perto de Badswat, os moradores dizem que é a primeira vez que têm memória do rompimento de um lago glaciar.  

As autoridades dizem que a evacuação atempada de Badswat fez com que ninguém morresse. Sher Baz afirmou que este acontecimento o fez sentir-se isolado. “Rodeados por montanhas e água turva, parecia que estávamos entre a vida e a morte”, contou à agência Reuters.

Um país de glaciares

O Paquistão tem mais glaciares do que qualquer outro país fora da região polar – mais de 7200 ao longo das cordilheiras de Caracórum, Himalaias e Indocuche, de acordo com o Departamento Meteorológico Paquistanês (PMD, na sigla em inglês). Esses glaciares “alimentam-se” a partir do sistema do rio Indo, a maior fonte de água do país. Mas os dados recolhidos nos últimos 50 anos revelam que cerca de 120 dos glaciares mostram sinais de derretimento, devido à subida das temperaturas, referem responsáveis meteorológicos.

Como os glaciares estão a recuar, eles deixam para trás lagos apoiados por “diques” de gelo ou acumulações de rocha e solo. Inerentemente instáveis, esses diques acabam por se romper muitas vezes, lançando assim grandes volumes de água a correr para as povoações.

“Com os glaciares a derreter de forma mais acelerada do que nunca, sentimo-nos mais vulneráveis e parece que estamos sob a ameaça constante de um desastre natural”, disse Shakoor Baig, outro habitante local. Embora já esteja habituado a lidar com inundações, este agricultor de 45 anos revelou que nunca tinha visto nada a esta escala. Shakoor Baig perdeu a sua casa, culturas e terras.

A ele juntam-se quase mil residentes de Badswat, que foram levados para um terreno mais elevado, onde alguns estão a viver em abrigos temporários. Como estão encurralados entre montanhas, água e estradas destruídas, fornecer comida suficiente e tendas aos moradores tem sido difícil, informou a Agência Aga Khan para o Habitat, que trabalha com o Exército paquistanês para que seja lançada ajuda por pára-quedas.

Desflorestação e alterações climáticas

Ghulam Rasul, especialista em glaciares e director do PMD, salientou que acontecimentos como este estão apenas a começar. “Os desastres causados pelo rompimento de glaciares nestas áreas não irão ficar por aqui. No futuro, vão continuar porque há muitos mais glaciares em risco de entrar em colapso”, contou à Reuters. Anos de desflorestação, combinados com as alterações climáticas, têm levado a picos de temperatura na região, o que causa o derretimento de glaciares, acrescentou Ghulam Rasul.

Nos últimos 80 anos, referiu ainda, a média de temperatura em Gilgit-Baltistão aumentou 1,4 graus Celsius. Já nas regiões mais baixas de Sind, Punjab e Khyber Pakhtunkhwa (também no Paquistão) a subida foi de 0,6 graus. A fraca gestão governamental das florestas e o aumento da procura de madeira tem levado ao corte de árvores – embora a conservação das florestas seja essencial para absorver as emissões de dióxido de carbono e combater as alterações climáticas –, assinalou Ghulam Rasul.

“O aquecimento global tem um impacto directo nas áreas montanhosas no Norte do Paquistão devido à perda florestal. A desflorestação aconteceu devido à negligência das autoridades, já que as pessoas cortavam árvores para a construção e combustível”, acrescentou o especialista. “Agora o essencial é plantar mais floresta para mitigar os efeitos do aquecimento global nos glaciares no futuro.”

As autoridades locais dizem que o rejuvenescimento das florestas é uma prioridade, mas que a reposição da área deverá demorar o seu tempo. “O governo da província já lançou uma campanha para plantar floresta, entre outras soluções, para neutralizar o rápido aumento de temperaturas nestas montanhas”, disse Faizullah Faraq, porta-voz do governo local.

Com a ajuda do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (IFAD), Faizullah Faraq informou que as autoridades também estão a desenvolver infra-estruturas nas áreas próximas, no caso de os moradores das povoações vulneráveis serem forçados a deslocar-se. “Este é um grande desafio e não é algo que se resolva do dia para a noite”, considerou.

Ghulam Rasul disse, por sua vez, que o PMD tinha instalado sistemas de aviso prévio em três áreas para notificar as comunidades vulneráveis de qualquer ameaça glaciar, acrescentando ainda que são necessários mais sistemas destes para fazer o aviso prévio o próximo acontecimento. E recomenda que as comunidades se treinem melhor para lidar com estas situações de emergência.

Neste momento, Sher Baz diz que tudo o que pode fazer é rezar para que a sua família sobreviva outro dia. “Estou preocupado com o futuro e em como conseguirei alimentar a minha família. Afinal, perdi as minhas terras e o meu sustento. Rezo para que Deus nos salve de mais desastres naturais.”

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