Festival de Locarno, sob o signo da família

Primeiros filmes da competição suíça em tom morno, familiar: A Family Tour, de Ying Liang, e Tarde para Morir Joven, de Dominga Sotomayor.

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O filme do chinês Ying Liang, A Family Tour dr
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O filme do chinês Ying Liang, A Family Tour dr
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O filme da chilena Dominga Sotomayor, Tarde para Morir Joven dr
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O filme da chilena Dominga Sotomayor, Tarde para Morir Joven dr

Cumprido o arranque do Festival de Locarno – a noite de abertura desta 71.ª edição fez-se na Piazza Grande com Liberty, ou Bucha e Estica filmados por Leo McCarey (homenageado na retrospectiva deste ano) numa curta-metragem que aqui foi acompanhada pela música ao vivo de Zeno Gabaglio e Brian Quinn, e com a comédia francesa Les  Beaux  esprits, de Vianney Lebesque –, pode enfim começar a bolsa de apostas helvética. E, no tiro de partida, a competição internacional deste festival de cinema esteve sob o signo das famílias em crise. Talvez por isso mesmo, há um tom morno, diríamos mesmo “familiar” (passe o trocadilho), nos filmes do chinês Ying Liang, A Family  Tour, e da chilena Dominga Sotomayor, Tarde para Morir Joven.

Expliquemos, antes de mais, que nem ele nem ela são estreantes nesta coisa dos festivais. Esta é a quinta longa de Ying, que já saiu de Locarno com o prémio de melhor realizador – em 2012, por When Night Falls; e Sotomayor viu a sua estreia na longa, De Jueves a Domingo, também em 2012, ser premiada em Roterdão e vencer o IndieLisboa. É por aí que se instala, muito rapidamente, o receio de estarmos a ver os típicos “filmes de festival”, obras que parecem não existir fora do circuito fechado dos certames mundiais. Mais no caso de Tarde para Morir Joven, que tem um certo ar de família com La Idea de un Lago, que a argentina Milagros Mumenthaler trouxe ao concurso de Locarno no ano passado, ou com A Comuna, em que o dinamarquês Thomas Vinterberg recordava a sua própria adolescência. Estamos a falar de experiências da adolescência de um outro tempo, contadas num tom sedado, difuso, como filtradas pela gaze da memória.

Tarde para Morir Joven passa-se numa “comuna ecológica” nos arredores de Santiago do Chile, num tempo indeterminado que a música e os cartazes na parede sugerem ser o início dos anos 1990. Os seus habitantes são músicos, pintoras, actrizes, que vivem fora da rede, sem electricidade nem confortos modernos, uma enorme família aparentemente feliz; mas este suposto paraíso está já contaminado pela serpente. Sofía, o centro do filme, quer escapar a esta família utópica que já percebeu ser uma fraude para ir viver com a mãe, uma cantora de êxito que vive separada do pai – mas tratar-se-á, no fundo, de trocar uma utopia por outra igualmente impossível. É um filme de silêncios e olhares, que Sotomayor, aqui na sua terceira longa, domina com assinalável elegância; o todo é requintadamente filmado por um dos mestres da fotografia contemporânea, o peruano Inti Briones. Mas essa tendência para os silêncios e para os olhares confere ao filme uma opacidade que joga contra ele, que deixa Tarde para Morir Joven permanentemente à beira da desintegração. Sotomayor consegue reconstruí-lo às vezes. Outras, não. E o filme não descola de uma mediania simpática mas frustrante.

Mais consistente, a esse nível, é A Family Tour, que questiona o impacto familiar de decisões políticas. Assumidamente semi-autobiográfico, o filme põe em jogo o reencontro, ao fim de vários anos, de uma realizadora chinesa exilada em Hong Kong e da sua mãe que ficou no continente, durante uma viagem turística que a mãe faz a Taiwan. Será, possivelmente, a última vez que se verão na vida: a senhora Chen está muito doente e não tem saúde para voltar a viajar, Yang Shu está proibida de regressar à China por ter feito filmes que questionam a “versão oficial” estatal. Há uma tonelada de coisas que nunca disseram uma à outra, inclusive em relação aos seus conflitos com a censura insidiosa da República Popular.

Quando Ying Liang se concentra na ternura e na amargura das relações familiares – quer seja entre mãe e filha, entre avó e neto, ou entre marido e mulher –, A Family Tour é muito bonito, quase zen. Sempre que se desloca para a dimensão política, aproxima-se demasiado do didactismo algo naïf – embora o seu realizador esteja perfeitamente ciente disso: tudo se passa durante o Festival de Cinema de Taiwan, onde o filme que tantos dissabores trouxe à familia, A Morte de um Recluso, é exibido; e nos cinco anos entretanto decorridos Yang Shu não voltou a filmar. Como quem diz que o cinema, por muito activista que seja, nada pode mudar no que diz respeito à política. Já os sentimentos são outra coisa.

O PÚBLICO está em Locarno a convite do Festival de Locarno

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