Ordenamento do espaço marítimo divide organismos do Estado
Agências ambientais deram parecer negativo ao novo plano da Direcção-Geral dos Recursos Marítimos. Conselho Nacional do Ambiente diz que conservação da natureza não está salvaguardada.
O Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) pede ao Governo que suspenda o processo de consulta pública do Plano de Situação do Ordenamento do Espaço Marítimo (PSOEM). E que reformule este novo e importante instrumento legal que tem como objectivo promover “a compatibilização entre usos ou actividades concorrentes” no mar, mas que, em terra, não reúne sequer o consenso entre as entidades do Estado. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Instituto de Conservação da Natureza deram mesmo parecer negativo ao documento, que esteve em consulta pública até esta terça-feira.
Aprovado, por unanimidade, a 12 de Julho, mas divulgado publicamente na véspera da conclusão desta fase de debate público, o parecer do CNADS, órgão consultivo do Estado liderado pelo cientista Filipe Duarte Santos, é arrasador para o trabalho levado a cabo pela Direcção-Geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), tutelado pelo Ministério do Mar. Dada a importância deste instrumento de ordenamento, que passará a guiar a administração pública na atribuição a privados de direitos para um conjunto de actividades económicas, por longos períodos, o CNADS considera que os documentos em cima da mesa têm de ser completamente reformulados, pois não garantem “as necessárias salvaguardas ambientais e a conservação da natureza”.
O parecer foi precedido de contactos com organismos do Estado, instituições científicas e organizações interessadas no tema, algumas integradas numa das duas comissões consultivas que acompanharam o trabalho da DGRM, e que traçaram um quadro muito negativo deste PSOEM que, por exemplo, abrange, supostamente, toda a plataforma marítima — mas, na verdade, deixa de fora o mar dos Açores, por atraso nos trabalhos relativos a esta região. A partir desses contactos, o conselho põe em causa a própria qualidade dos dados que serviram de base aos documentos elaborados.
Erros e deturpações
Alguns dos membros da comissão consultiva denunciaram a utilização de dados de representação espacial com “erros, desactualizados, sem validação, sem qualidade, ou com deturpação de conceitos ou interpretação errónea”, nota o CNADS. Para além de considerar “altamente preocupantes a falta de rigor científico e nos procedimentos”, o conselho aponta o dedo ao “prazo extremamente reduzido de consulta pública (apesar da prorrogação do prazo inicial por 30 dias)” e à “falta de envolvimento da sociedade civil”.
Na sua perspectiva, “os pareceres negativos de entidades consultadas, algumas das quais com um papel-chave na salvaguarda do ambiente e da biodiversidade, suportam a conclusão que esta proposta do PSOEM não gera os necessários consensos”. Também a Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis “apresentou duras críticas a esta versão do PSOEM”, revela.
O CNADS diz que há uma “subconsideração e subavaliação de áreas prioritárias para a conservação da natureza (Rede Natura 2000, Áreas Marinhas Protegidas) e da salvaguarda estratégica do património natural”. E adianta que, na análise dos pareceres negativos da APA e do Instituto da Conservação da Natureza, resulta claro que os aspectos ambientais estão “debilmente considerados”. Estas divergências no seio do Estado, alerta, muito dificultarão a implementação do regime de ordenamento pelas entidades públicas responsáveis, uma situação que “põe em causa um dos principais objectivos do ordenamento do espaço marítimo, que é o de conciliar usos e de prevenir conflitos”.
Eco no Parlamento
“Falhar este objectivo é desacreditar todo o processo de ordenamento”, insiste o CNADS, que perante este quadro exige que “seja reequacionada a estrutura do actual sistema de ordenamento do espaço marítimo” e que “seja reformulado o actual documento, visando colmatar os erros, omissões e irregularidades detectados” mas não corrigidos na sua versão final. Pede ainda que seja realizada a uma auscultação alargada à sociedade civil e que seja definido um novo prazo de consulta pública “nunca inferior a quatro meses”.
Os receios das várias entidades já tiveram eco no Parlamento, com o Bloco de Esquerda a questionar o Ministério do Mar sobre se este considera suspender a consulta pública do PSOEM. Teme que o novo ordenamento abra a porta à concessão das zonas marinhas para “usos perigosos e inéditos”, como a “mineração profunda” ou o “sequestro de carbono”.