Uma viagem às profundezas da matéria e da luz recriada à medida do olho humano
Uma instalação do norte-americano Matthew Biederman, exposta no Gnration, em Braga, procura simular o comportamento da luz e a percepção da cor a uma escala invisível a olho nu. A obra traduz uma colaboração entre ciência e arte e resulta de uma residência artística no Laboratório Ibérico de Nanotecnologias.
Uma espécie de grelha de tubos repousa sobre o chão de uma das salas do Gnration, junto a uma das paredes. Esses tubos, munidos cada um com 60 dispositivos LED, são percorridos por fluxos incessantes de luz, que ora passam de um tom azul claro para um verde e, depois, para um vermelho e até um violeta. Até a posição onde o visitante se encontra influencia a cor observada numa dada secção do tubo e, consequentemente, a obra de arte: quando de um lado se vê o azul, do lado oposto pode ver-se, por exemplo, um tom vermelho no mesmo sítio.
Essa paleta de cores distribui-se em padrões bem definidos, que “simulam o modo como as ondas de luz interagem e interferem entre si”, quando se observa a matéria a uma escala nanométrica, explica ao PÚBLICO o artista Matthew Biederman. Essa escultura é uma das quatro peças que compõem All the way down (pode ser traduzido como “até ao fundo”), exposição patente no Gnration, em Braga, até 6 de Outubro.
O trabalho, integrado no programa Scale Travels, parceria do espaço cultural com o Laboratório Ibérico de Nanotecnologias em curso desde 2016, é o fruto da residência artística vivida pelo norte-americano, em Abril, naquele centro de investigação científica. Lá, Matthew Biederman trabalhou com o grupo de nanofotónica – estudo da interacção entre luz e matéria à escala nanométrica – para se inteirar dos fenómenos investigados e, depois, criar a obra, numa tentativa de devolver ao mundo algo criado a partir da natureza, numa analogia às soluções desenvolvidas pelos cientistas. “Se se ver a iridescência de uma asa de borboleta, sabemos que há estruturas que produzem essas belas reflexões. Mas elas estão lá por uma razão, e perceber essas estruturas pode levar a melhores painéis solares ou a melhor isolamento solar. É o que vejo de mais bonito na tecnologia, quando tira, mas também devolve à natureza”, descreve.
Autor de um percurso artístico que, desde os anos 90, questiona a percepção das formas, das cores e dos sons pelos seres humanos, através de “esculturas audiovisuais” criadas com recurso a código informático, este artista, nascido na área metropolitana de Chicago, mas radicado em Montreal, já incluíra a ciência e a natureza em obras anteriores – num trabalho de sensibilização para os problemas ambientais e das comunidades do Árctico, por exemplo.
Em Braga, contudo, Matthew Biederman passou uma semana a descer às profundezas onde a matéria é invisível a olho nu, num processo implícito no título da exposição. O artista revelou que a inspiração para a denominação All the way down surgiu de um discurso proferido pelo físico norte-americano Richard Feynman, em 1959, no qual ele disse existir “imenso espaço, lá no fundo”, prevendo a manipulação de átomos no futuro. “A ciência está ainda à procura de partículas muito pequenas. Parece-me uma boa expressão para criar um enquadramento mental correcto para ver a exposição”, considerou.
No lado oposto ao da escultura luminosa, no Gnration, uma parede segura uma imagem com dezenas de mãos, dispostas num triângulo, a operar em conjunto. Essas mãos são precisamente uma referência ao discurso, nomeadamente à parte em que o reconhecido cientista usa uma metáfora da multiplicação das mãos a uma escala cada vez mais reduzida, para explicar possíveis aplicações da matéria em realidades muito pequenas. Abaixo dessa imagem, encontra-se uma amostra com não mais do que um grão de pó. Esse grão de pó contém essa mesma imagem das mãos, produzida com tecnologia de laboratório.
Diálogo entre arte e ciência
Guarnecido com tecnologias que permitem observações em escalas muito pequenas e de pessoas capazes de interpretar os dados daí extraídos, o departamento de nanofotónica do INL concentra-se, por exemplo, em perceber qual a cor existente nas nanoestruturas estudadas – por exemplo, as das asas da borboleta — e o impacto da sua manipulação, explicou ao PÚBLICO a líder da secção, Jana Nieder. “Precisamos de entender a natureza da cor, o que faz os materiais ter cor, como as nanotecnologias podem mudar a cor e o impacto que têm no resultado estético das estruturas”, sintetizou.
Pela primeira vez a colaborar com o Scale Travels, a cientista alemã reconheceu que o trabalho de Matthew Biederman pode abrir ao público uma janela para “descobertas tipicamente apenas publicadas em jornais científicos”, transformadas numa “obra de arte acessível a todos”. Para a investigadora, o papel do artista norte-americano ultrapassa até a mera divulgação, já que o seu processo criativo pode originar “designs e questões inesperadas” em torno das nanoestruturas.
Outro dos cientistas que colaborou para All the way down, Martin López-Garcia, salientou que a presença de artistas no INL pode ajudar os cientistas a formarem uma perspectiva diferente sobre o próprio trabalho. “Não sou um artista, mas diria que, na fotónica, em particular, encontra-se sempre nanoestruturas inspiradoras para esculturas capazes de manipular a luz”, afirmou o investigador espanhol.
Na concepção de Biederman, a arte e a ciência navegam na mesma corrente, até pela “similitude de padrões na forma como exploram ideias”, algo que sentiu na residência artística. “Ao entrar no laboratório do grupo de nanofotónica, a Jana mostrou-me o espaço de trabalho, e parecia o meu estúdio. É um trabalho ainda em andamento”, recordou. O artista considerou ainda que a intromissão cada vez mais permanente das tecnologias na vida humana tem igualmente contribuído para ligar a arte e a ciência e para o aparecimento de obras de arte que reflectem essa aproximação.
Ciente de ideias como a “era sintética” — segundo o filósofo da ecologia Christopher Preston, representa a capacidade do homem redesenhar a natureza conforme os seus propósitos, desde a molécula de ADN até à composição de um ecossistema —, Matthew Biederman avisou que, enquanto artista, qualquer obra por si criada, incluindo a que está exposta no Gnration, nunca deixa de “pensar sobre o impacto das tecnologias na sociedade e na cultura” e de "tentar perceber onde é que o ser humano se encontra”.
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