Lisboa e a dinâmica das Artes Visuais
No caso de Lisboa, há uma dinâmica que se traduz na abertura de novos espaços culturais, na angariação de novos habitantes e na criação de públicos diversificados.
A relação das artes visuais com o espaço urbano, ou o modo como este sector participa na vida da cidade e como com ela se articula, é algo que, no decorrer dos últimos cinco anos, tem assumido uma maior visibilidade.
No caso de Lisboa, há uma dinâmica que se traduz na abertura de novos espaços culturais, na angariação de novos habitantes, e na criação de públicos diversificados. Esta é uma conjuntura que surge de um cruzamento de factores, que se alarga a vários campos (da Política à Cultura, e da Economia ao Turismo) e é, também, o resultado de uma afirmação cultural que, cada vez mais, se vai consolidando.
Para perceber a forma como esta mudança se expressa, fisicamente, no território, importa olhar para as movimentações que se geram, para as zonas que se afirmam, para as ligações que se estabelecem, e para o modo como isso interfere no nosso quotidiano. Numa capital que se afirma, cada vez mais, policêntrica, dispersa e cosmopolita, esta é uma leitura útil, que importa questionar e debater.
A análise das várias realidades que enformam o panorama das artes visuais, na cidade de Lisboa é, também, o tema abordado no último número da revista Contemporânea (#2 Deriva Urbana/Urban Drifting). Aqui, promove-se uma deambulação pela cidade, gerida por uma cartografia de afinidades que se apoia na ideia de Dérive e na noção de psicogeografia, desenvolvidas por Guy Debord, no século XX.
Promovendo um outro tipo de leitura, é possível evitar uma análise estritamente científica, criando algo que é mensurável para lá da mera quantificação de valor. Este é um processo ancorado a uma lógica de acção e a um funcionamento em rede, onde cada espaço, galeria, ou instituição, da programação à relação com a comunidade, da especificidade à parceria, cruza múltiplas áreas de influência, actividades, e articulações espaciais. Um processo que discorre sobre a consistência de um perfil institucional, de um sistema comercial e de um carácter independente, que é por vezes misto, e complexo, ou híbrido, e dinâmico, para problematizar o modo como cada caso se organiza, se relaciona, e se inscreve na cidade.
São já vários os estudos que nos permitem mapear instituições, galerias e espaços independentes, dispondo e ordenando, tipologicamente, este tipo de informação. Contudo, há um outro trabalho que carece ser feito. Um trabalho que se centra no estudo das relações entre as várias partes envolvidas.
Sobrepondo toda a informação e cruzando-a com um entendimento dos fluxos da cidade, percebemos a regeneração de vários bairros, como Alvalade, Marvila e Xabregas, assentes num recente e gradual processo de gentrificação (com o que de positivo e negativo isso comporta). Quer isso dizer que, no âmbito das artes visuais, há uma nova marcação de percursos e pontos de interesse, dentro e em torno desses mesmos bairros, que dita, também, uma aproximação entre diferentes zonas de Lisboa. Mas, juntando toda esta informação, é também possível compreender as antigas tendências que, em conjunto, continuam a existir.
Assim, é curioso perceber a persistência de uma aparente simetria na zona ribeirinha, assente no seu desenvolvimento histórico, social e económico, que a disposição dos equipamentos culturais ainda hoje denuncia. Veja-se o exemplo da dicotomia entre Belém, com um grupo de museus de carácter simbólico e vocação turística, e a zona de Xabregas, com galerias e espaços independentes, de carácter descomprometido. Ou, ainda, a forma como o famoso “Y” de Lisboa, formado pela Av. Liberdade e pela Av. Almirante Reis, que sempre definiram uma parte mais burguesa e uma parte mais popular da cidade, marcam, ainda hoje, um local onde predominam as galerias já estabelecidas (a Oeste), e outro onde surgem um número significativo de espaços independentes (a Este). De igual forma, note-se como ao longo da chamada sétima colina, do Cais do Sodré ao Largo do Rato e a Campo de Ourique, há uma densidade de oferta que responde à sedimentação cultural de uma zona histórica e, na zona das Avenidas Novas e Alvalade, existe um espaçamento que responde à disseminação progressiva da cidade, para Norte.
Percebendo a relação que se cria com a dinâmica do sector artístico, dir-se-ia que, mais importante do que gerar uma listagem de todos os agentes que existem e trabalham na cidade, ou mais importante que criar uma compilação das diferentes perspectivas e posicionamentos que marcam o actual panorama, é necessário buscar outras formas de entendimento da cidade. E isso é possível, simplesmente, com uma atitude exploratória e com o registo de alguns casos de interesse para, em tom descomprometido, mas atento, nos aproximarmos de um exercício de deambulação. Com um olhar que pede, simultaneamente, para ser focado e panorâmico, individualizado e sobreposto, numa realidade que é poliédrica e reflexiva.