Trump-Juncker: Um acordo sem vencedores claros e muitas incertezas

Europa conseguiu uma trégua no sector automóvel e Trump garantiu um alívio nas críticas internas à sua política comercial. Duas vitórias parciais num acordo bastante frágil.

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LUSA/JIM LO SCALZO

Depois de semanas de desentendimentos, ameaças e retaliações, bastaram três horas e meia para Donald Trump e Jean-Claude Juncker saírem da sua reunião garantindo ao mundo que, afinal, as declarações mais agressivas das últimas semanas eram para esquecer e que tinham acabado de evitar uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a União Europeia. No entanto, a falta de pormenores do acordo anunciado e a fragilidade das promessas feitas por ambas as partes deixaram a generalidade dos analistas a questionarem-se sobre quem efectivamente ganha mais com o acordo e, principalmente, qual a sustentabilidade deste tão brusco entendimento.

Esta quarta-feira, na Casa Branca, o presidente norte-americano e o presidente da Comissão Europeia acordaram, de acordo com o comunicado emitido, “trabalhar em conjunto em direcção a taxas alfandegárias zero, barreiras zero e subsídios zero nos bens industriais não automóveis” e “reduzir as barreiras e aumentar o comércio nos serviços, químicos, produtos farmacêuticos e hospitalares, assim como soja”.

À primeira vista, é fácil perceber qual foi a principal conquista da UE nessa reunião: fazer com que, pelo menos por agora, os Estados Unidos se comprometam a não alterar as regras do jogo no sector automóvel. Donald Trump ameaçou por diversas vezes nos últimos meses impor uma taxa de 20% sobre a entrada de veículos ligeiros europeus nos EUA, uma medida com um impacto potencial muito grande numa das indústrias mais importantes da Europa. E agora, neste sector, foi acordada uma trégua.

“O grande feito de Juncker foi conseguir que Trump dissesse publicamente que poderia reconsiderar as taxas sobre o aço e o alumínio e que não iria impor taxas sobre os automóveis em troca de uma negociação. Para a UE, a arma ainda está carregada, mas pelo menos não está apontada à sua cabeça”, afirmou ao The New York Times, o director do think tank europeu Bruegel, Guntram Wolff.

Para além disso, a promessa de negociação de uma redução de taxas noutras indústrias parece um regresso a uma das partes do acordo comercial entre UE e EUA que não se conseguiu finalizar durante a presidência Obama e que Trump matou assim que chegou à Casa Branca.

E há mesmo quem defenda que aquilo que aconteceu em Washington pode vir a revelar-se, a prazo, numa derrota para a Europa, pelo sinal de fraqueza que pode ter sido dado perante as ameaças de Trump. “Para Trump, não concretizar uma ameaça não é uma concessão. Pelo contrário, é um prémio para o seu comportamento: ele pode pressionar os seus parceiros comerciais, mesmo aqueles com dimensão semelhante, como a UE, com ameaças de taxas e isso é problemático para as discussões comerciais futuras entre os EUA e a UE”, defende Rem Korteweg, director do think tank Clingendael, em declarações à CNBC.

Ainda assim, também não é fácil perceber exactamente aquilo que os EUA ganharam com este acordo. Nas declarações aos jornalistas, após a reunião, Donald Trump destacou o facto de Jean-Claude Juncker lhe ter prometido que a UE iria comprar mais soja e mais gás natural aos EUA.

O anúncio desta promessa causou algum espanto nas capitais europeias, já que, em princípio quem decide este tipo de compras são as empresas privadas e, em ambos os casos, o factor determinante é o preço que é praticado nos mercados internacionais.

Aparentemente, o que Juncker fez foi antecipar um aumento de compras que, de acordo com os analistas, se adivinha provável face à conjuntura que se vive nos mercados desses bens. No caso da soja, aquilo que aconteceu foi que a China, para onde os agricultores norte-americanos enviam 30% da produção, fez subir as taxas alfandegárias em retaliação contra as medidas de Trump. A China, provavelmente irá passar a importar mais de outros países e os EUA vão ter de procurar novos mercados, sendo que o europeu é o mais óbvio.

No caso do gás, a tentativa da Europa de diversificar as suas fontes de abastecimento é já conhecida, dependendo em larga medida da construção de terminais capazes de receber maiores quantidades de países sem ligação através de gasodutos, como os EUA. Esses terminais estão em preparação, demorando alguns anos a estar prontos, mas o aumento das compras parece provável no futuro.

Sendo assim, mais do que ganhos concretos, aquilo que Trump terá conseguido é apresentar justificações para que, depois de semanas de declarações agressivas em relação aos países europeus, aceitar agora a via negocial que vinha sendo cada vez mais exigida por diversos membros republicanos do congresso, empresas do sector automóvel e agricultores.

Antecipa-se agora que, com esta trégua com a União Europeia, o presidente norte-americano concentre os seus esforços de guerra comercial com a China, algo com que a própria União Europeia pode simpatizar, fazendo do gigante asiático o perdedor mais evidente e imediato do acordo obtido na quarta-feira.

De qualquer modo, no meio desta difícil contabilização de vencedores e vencidos, numa coisa os analistas são unânimes. O entendimento agora obtido é muito frágil. Sem detalhes e calendários, o acordo fica à mercê das mudanças de disposição das partes envolvidas, havendo quem recorde que, poucas semanas antes de Trump ter anunciado um aumento de taxas alfandegárias sobre produtos tecnológicos chineses no valor de 34 mil milhões de dólares, os EUA e a China tinham saído de uma reunião com a promessa de um entendimento que evitava uma guerra comercial entre os dois países.

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