Vinte anos, cinco meses e dez dias
Apesar de o Governo se vangloriar de ter vinculado mais de 3000 professores em 2017, não houve um único professor de Teatro a entrar para os quadros.
"O teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde não a há."
Almeida Garrett
Se compararmos os inúmeros discursos do secretário de Estado da Educação em prol das Expressões e do Ensino Artístico com a nova reforma curricular, só podemos ficar desiludidos: na Educação Artística, sobretudo no Teatro (que faz parte do elenco das Áreas Artísticas referidas no Decreto-Lei n.º 344/90), trata-se de mais uma “mudança que deixa tudo na mesma”.
Apesar de continuar a haver Teatro no 1.º ciclo e de poder existir, como opção, no 2.º e no 3.º, como “Complemento de Educação Artística”, tal possibilidade está condicionada aos recursos humanos de cada escola.
Se as escolas precisarem de ter um professor de Teatro no quadro para oferecerem a disciplina aos seus alunos, esta área pura e simplesmente desaparecerá. É que, apesar de o Governo se vangloriar de ter vinculado mais de 3000 professores em 2017, não houve um único professor de Teatro a entrar para os quadros (nem sequer os que têm mais de 20 anos de serviço), pois a vinculação apenas abrangeu docentes com grupo de recrutamento, tal como aconteceu em 2014 e acontecerá em 2018. Haverá, talvez, alguns professores de Teatro efectivos, abrangidos pelas vinculações extraordinárias de 1989 ou 1999, mas serão muito poucos.
Mas a situação pode ser mais grave. Não havendo grupo de recrutamento, não há regras que definam quem pode leccionar a disciplina. Ou seja, todos podem. Se um professor do quadro precisar de completar o horário, a direcção pode atribuir-lhe aulas de Teatro, mesmo que não tenha formação absolutamente nenhuma. Acontecesse isto em disciplinas como Português ou Matemática e cairia o Carmo e a Trindade!
O Teatro desenvolve competências nos domínios cognitivo, emocional, afectivo, social e psicomotor. Mas tal só acontece se for leccionado por professores com formação. Caso contrário, apenas servirá para completar horários e para ajudar o Ministério da Educação a fingir que valoriza uma área artística que está, de facto, a menorizar.
O que fazer? Para já, o ME deve seguir as recomendações do Conselho Nacional de Educação, ou seja, permitir que, sempre que necessário, as escolas contratem docentes no âmbito da Oferta Artística Complementar (e o que não falta, no país, são pessoas com formação nestas áreas). Depois, há que criar um grupo de recrutamento de Teatro, vinculando os professores com mais experiência e permitindo que os outros se candidatem aos concursos nacionais (e não apenas às Contratações de Escola) com critérios objectivos e iguais para todos.
Tais medidas dariam maior estabilidade às escolas, aumentariam a presença do Teatro na Educação e, sobretudo, contribuiriam para uma melhoria da sua qualidade. Serviriam também para reconhecer o profissionalismo e a dedicação aos professores que leccionam Teatro há imensos anos, com contratos precaríssimos, e que apenas pedem o que lhes é devido: estabilidade profissional e acesso a uma carreira docente. E decente!