O Estado come tudo e não deixa nada
O Portugal 2020 é um orçamento de Estado paralelo.
Se perguntarmos a várias pessoas para que servem os fundos europeus, imagino que entre as respostas mais comuns esteja: “apoiar o desenvolvimento do país”, “ajudar empresas a expandir os seus negócios”, “promover a inovação”, “aumentar o número de PME nacionais”. Sim, todos sabemos que a primeira grande leva do dinheiro da Europa foi gasta em viadutos e autoestradas (e jipes), mas após o enorme investimento em infra-estruturas, qualquer pessoa achará natural e desejável que as novas vagas de fundos estejam a ser canalizadas para o apoio à iniciativa privada. Pois bem: não estão.
O jornalista Edgar Caetano publicou um artigo no Observador onde analisa os projectos que foram alvo de maior financiamento europeu ao abrigo do programa Portugal 2020. E chegou a esta tristíssima conclusão ao olhar para o top 30 dos apoios europeus: “26 dos maiores financiamentos foram para o Estado e só quatro para empresas.” Ou seja, 87% dos recursos de topo foram canalizados para financiar projectos estatais, e apenas uns insignificantes 13% puderam ser aproveitados por empresas privadas. O Portugal 2020 é um orçamento de Estado paralelo.
Que projectos estatais são esses? Para além da modernização da ferrovia e do investimento numa hidroeléctrica da Madeira, a grande fatia do dinheiro vai para o suspeito do costume – a obsessão nacional pela formação, ainda que o tecido produtivo português não tenha depois capacidade para absorver tantos formados. Entre os apoios prioritários estão “vários programas e bolsas para estudantes, incluindo apoios a doutoramentos e pós-doutoramentos (co-financiados a 85% e o restante pela Direcção-Geral do Ensino Superior)” e também “apoios à realização de estágios para estimular o emprego jovem, em conjunto com o Instituto do Emprego e Formação Profissional”. Como é evidente, isto é apenas utilizar fundos europeus para assumir despesa que de outra forma estaria incluída no Orçamento de Estado. Os 26 mil milhões de euros que o programa tem vindo a distribuir desde 2014 são demasiado preciosos para que o Estado não lhes meta o dente, com a voracidade própria de quem tem pouco dinheiro no bolso e muitas bocas para alimentar.
Lembram-se do mini-escândalo de Outubro de 2017, quando se percebeu que parte dos donativos angariados para ajudar as vítimas de Pedrógão estava a ser canalizada para equipar a unidade de queimados do Hospital de Coimbra? Aqui a lógica é a mesma. Ajudar a sociedade significa, em primeiro lugar, ajudar o Estado, que depois ajuda a sociedade. Nem sequer é difícil conseguir isso. No caso dos fundos europeus, o Estado é simultaneamente avaliador de candidaturas e candidato, e envolve tudo numa dose infrene de burocracia. Qualquer empresa privada de média dimensão interessada em inovar tem de ir bater a outra porta, porque o novo já é velho quando finalmente chega o OK para libertar a verba.
Resultado: o dinheiro, como está dito no artigo, “acaba por ir sempre para os mesmos” – universidades, institutos, cursos de formação profissional com os quais andamos há 40 anos a prometer desenvolver o país, sem sucesso. O Portugal 2020 é um quadro de apoio ao desenvolvimento económico de Portugal, mas como nesta terra se considera que o Estado é o único e verdadeiro motor de desenvolvimento, as empresas ficam a chuchar no dedo e o dinheiro acaba retido nas redes do Terreiro do Paço. Nem vale a pena protestar. O socialismo é mesmo isto. E parece que os portugueses gostam muito.