Barnier insiste que integridade do mercado único é inegociável
Dominic Raab provou pela primeira vez o "veneno" do negociador da UE para o "Brexit".
De sorriso nos lábios, no seu estilo inconfundível que tem tanto de elegante como de demolidor, o negociador chefe da Comissão Europeia para o “Brexit”, Michel Barnier, elogiou as ideias britânicas para a relação futura entre Londres e Bruxelas que, segundo o novo secretário de Estado para a Saída da União Europeia, Dominic Raab, imprimiram “uma nova dinâmica” às conversações entre os dois blocos, para imediatamente as descrever como impraticáveis, inexequíveis e… inegociáveis.
“O Reino Unido conhece muito bem as condições em que trabalhamos e conhece muito bem as regras do nosso mercado único do qual decidiu sair, nomeadamente a indivisibilidade das quatro liberdades [de circulação de pessoas, bens, serviços e capitais]”, observou o diplomata europeu, à saída da sua segunda reunião, em duas semanas, com Dominic Raab, brindado com um resumo simples da postura europeia, em jeito de avaliação do Livro Branco para o “Brexit” divulgado pela primeira-ministra, Theresa May.
“A UE constituiu um ecossistema de leis, standards e regulamentos e em cima dele estabeleceu uma jurisdição comum. Para nós é inaceitável que este ecossistema seja desestabilizado ou destruído porque o Reino Unido decidiu”, explicou Barnier, insistindo no argumento que os 27 têm repetido desde o arranque das negociações e que os britânicos ainda acreditam poder ultrapassar com “boa-vontade e soluções pragmáticas e imaginativas”.
“Estamos num momento crucial das negociações. Sabemos que não haverá acordo de saída sem um consenso em todos os pontos, e por isso estamos a acelerar os nossos esforços, conscientes das fortes pressões que existem de todos os lados”, afirmou Dominic Raab, nomeado por May após a onda de demissões no Governo provocada pela apresentação do Livro Branco com a sua estratégia para o “Brexit”.
Não fossem as pequenas picardias de Barnier e pouco haveria a reportar da conferência de imprensa conjunta após a reunião. O segundo round entre os dois homens que lideram as negociações do “Brexit” do lado da União Europeia e do Reino Unido, em Bruxelas, terminou sem novidades e muito menos progressos: no que diz respeito ao acordo de saída, continua a faltar uma solução para evitar a reposição de uma fronteira física entre Irlanda e Irlanda do Norte; no que tem a ver com a relação futura, as propostas de Londres mantêm-se irreconciliáveis com as linhas vermelhas de Bruxelas. “Também é nossa ambição poder fechar um acordo comercial ambicioso com o Reino Unido. Mas a proposta do Livro Branco está em contradição com o meu mandato, que é manter a integridade do mercado único”, insistiu Barnier.
“O Reino Unido quer recuperar o controlo do seu dinheiro, das suas leis e das suas fronteiras. E a União Europeia quer manter o controlo do seu dinheiro, das suas leis e das suas fronteiras, o que significa por exemplo que não delegará nunca a aplicação da sua política aduaneira ou da recolha dos seus impostos e taxas a um país terceiro que não está sujeito às mesmas estruturas de governação e supervisão”, explicou, deitando por terra a proposta de uma “facilidade aduaneira inovadora” que consta no Livro Branco.
Antes do encontro bilateral em Bruxelas, o diplomata europeu vira a sua posição reforçada pelas palavras da ministra francesa para a Europa, Nathalie Loiseau, que numa entrevista ao programa “Today” da BBC, lembrou que Michel Barnier negoceia com Downing Street em nome da Comissão Europeia e com um mandato claro atribuído pelos 27. “Para que não reste qualquer equívoco, queria dizer que Michel Barnier é o negociador da União Europeia e que as suas orientações vêm dos chefes de Estado e de governo. Não há diferença nenhuma entre o que ele diz, e o que cada um dos Estados membros diz individualmente”, frisou.
A gaulesa respondia a notícias publicadas no Reino Unido sobre o possível descontentamento e insatisfação da chanceler de Alemanha com o rumo das negociações e a postura intransigente de Barnier nos seus contactos com os britânicos — e do suposto interesse de Angela Merkel em dar uma mão à fragilizada Theresa May, para que esta possa ultrapassar o actual impasse político em Londres e em Bruxelas.
E como as negociações estão a revelar aos britânicos os elevados custos da saída da UE, Nathalie Loiseau fez questão de lembrar que o país ainda pode mudar de opinião em relação ao “Brexit” e desistir do processo. “Nós sempre dissemos que a nossa porta estaria sempre aberta. Não fomos nós que quisemos divergir do Reino Unido”, recordou.