Chegou a hora de Imran Khan governar o Paquistão?

O antigo jogador de críquete paquistanês, herói nacional, é o melhor posicionado para pôr fim ao reinado dos Sharif. Apesar de ter uma estrada aberta até ao poder, o seu discurso populista cria muitas dúvidas.

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Imran Khan num comício eleitoral na cidade de Lahore Reuters/MOHSIN RAZA

Imran Khan terá tido poucas notícias melhores na sua carreira política do que a da prisão do antigo primeiro-ministro paquistanês deposto, Nawaz Sharif, e da filha e herdeira política, Maryam Nawaz. Esta foi a última de uma série de boas novas para o herói do críquete paquistanês depois de Sharif ter caído do Governo, ter sido condenado a dez anos de prisão por corrupção e de ser ter visto inabilitado a ocupar cargos públicos. O caminho ficou aberto para que Khan chegue finalmente ao poder e tudo se decide nas eleições gerais de quarta-feira.

Foi longo o caminho percorrido por Imran Khan até chegar a este momento, que pode ser o seu. A queda de Sharif foi até agora a sua grande vitória política. Durante anos, a denúncia da corrupção do poder político instalado nas últimas décadas foi a sua grande luta, tendo mobilizado milhares nas ruas, boicotado eleições e interposto processos em tribunais. Se Nawaz Sharif foi condenado a prisão, impedido de concorrer a cargos públicos durante uma década pelo Supremo Tribunal e, por fim, detido, muito se deve à intervenção do agora candidato a primeiro-ministro do Paquistão.

De herói a playboy

A história de Khan começa antes disto tudo. Conheceu o sabor da glória ao capitanear a equipa nacional de críquete do Paquistão que conquistou o Campeonato do Mundo em 1992. Era a estrela maior e tornou-se um herói nacional. Retirou-se nesse mesmo ano e é ainda hoje considerado um dos melhores jogadores de sempre do país nesta modalidade.

Na Universidade de Oxford estudou em Filosofia, Política e Economia, durante os anos 1970, preparando já aquilo que viria a ser a sua vida para lá do desporto. Assim que deixou o críquete, Khan saltou para as capas dos tabloids começando a construir uma fama de playboy milionário.

Casou-se pela primeira vez em 1995 com a jornalista britânica Jemima Goldsmith, herdeira do magnata James Goldsmith. O casamento terminou em 2004 e, em 2015, Khan voltou a casar, desta vez, com a jornalista paquistanesa-britânica Rehman Khan (que publicou este mês uma autobiografia com relatos da vida privada de Imran). A união durou apenas alguns meses e, em Fevereiro, confirmou-se que o político e antigo desportista se casou pela terceira vez. Agora, com a sua líder espiritual, Bushra Maneka.

O caminho político

Khan tentou sempre limpar esta imagem de playboy e socialite, trabalhando para mudar os holofotes para o seu trabalho filantrópico e político. Em 1996 fundou o partido Movimento pela Justiça no Paquistão (conhecido pela sigla TPI) que se situava no centro-direita. A filantropia foi sempre um marco no seu trajecto, sendo uma das suas bandeiras que levanta mais alto e pela qual é mais reconhecido – um dos actos mais famosos foi a construção do único hospital oncológico do Paquistão.

Logo de início deixou bem claro quais seriam as traves mestras que serviriam de base de toda a sua actuação política: a luta contra a corrupção e a criação de um “Novo Paquistão” (frase que se tornaria no seu lema político) baseado na boa governação, responsabilidade política e acesso à saúde, emprego e educação. Apesar de ter construído uma imagem imaculada relativamente à corrupção, que tem sido endémica na política paquistanesa desde a sua independência, em 1947, e até porque a corrupção não tem sido a principal preocupação dos paquistaneses, o caminho de Khan foi longo.

O primeiro assento parlamentar do TPI foi conquistado apenas nas eleições de 2002, seis anos depois da fundação do partido. Em 2008, boicota as eleições em protesto contra o antigo general e então Presidente Pervez Musharraf – que viria a demitir-se no mesmo ano para evitar um processo de impeachment.

A partir de 2011, quando relança o seu partido com um enorme comício na cidade de Lahore, a trajectória de Khan foi sempre ascendente. O discurso e luta política mantiveram-se, passando a ser bem recebido pelas massas, em particular pela franja mais jovem da população.

Com uma mão no poder

Agora, aos 65 anos, é o único que pode colocar em causa o domínio da Liga Muçulmana do Paquistão (PMLN), partido de Nawaz Sharif, que é actualmente liderado pelo seu irmão Shehbaz – as sondagens ainda colocam a PMLN à frente, mas a subida de Khan tem sido evidente nos últimos meses, estando agora praticamente empatado no primeiro posto das intenções de voto.

Porém, Khan enfrenta ainda alguma desconfiança do eleitorado devido aos laivos populistas do seu discurso político, baseado fundamentalmente na agitação do sistema por alguém de fora do sistema, apesar de estar na vida política activa há mais de duas décadas.

Comparando com a ascensão do populismo no Ocidente que surgiu de forma inesperada, Jason Burke, correspondente do The Guardian, escreve que, pelo contrário, “durante a sua carreira política [de Khan], a sua retórica manteve-se notavelmente consistente”. Por isso, defende, “o crescimento de Imran Khan é a metáfora do mundo em mudança que o Ocidente não conseguiu ver”.

Relativamente ao seu discurso, e às promessas na saúde, justiça ou emprego, a grande questão que tem sido colocada é: como é que vai conseguir? O exemplo mais apontado é o da província de Khyber Pakthunkhwa (KPK) cuja governação foi conquistada por Khan em 2013. Apesar de se terem registado melhorias nestes sectores, a antiga glória do críquete foi muito criticado por não ter conseguido oferecer a profunda reforma que prometeu. Quando confrontado com este exemplo prático durante a campanha, o argumento de Khan é a complexidade da região – próxima da fronteira do Afeganistão e das zonas tribais paquistanesas maioritariamente dominadas pelos taliban, a província tem sido devastada pelo terrorismo e pela consequente instabilidade.

Mas foram outras as polémicas em que Khan esteve envolvido e que lhe valeram críticas. Exemplo disso foi o elogio ao sistema de justiça implementado nas regiões dominadas pelos taliban, críticas à intervenção militar contra estes grupos extremistas, defendendo uma negociação, ou a retórica antiocidental e contra a intervenção norte-americano no vizinho Afeganistão.

Além de tudo isto, durante esta campanha, os seus opositores têm acusado o Exército - instituição que vive na sombra política e que dominou a governação do país durante a maioria dos anos desde a independência - de o apoiar, utilizando para isso técnicas de intimidação para que políticos de outros partidos, principalmente do PMLN, troquem para o TPI ou para silenciar os media. Ambos os lados têm-no desmentido.

Mas, tudo aponta para que tenha chegado finalmente a hora daquele que o Dawn, maior jornal do país em língua inglesa, descreve como o “primeiro-ministro em espera”.

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