Cinco milhões de euros para investigação biomédica em Portugal

Primeiro concurso ibérico da parceria da Fundação bancária “la Caixa” com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia recebeu 785 candidaturas, 167 eram de Portugal e foram seleccionados oito projectos vencedores.

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João Silva

A “Iniciativa Ibérica de Investigação e Inovação Biomédica, i4b” vai apoiar com 12 milhões de euros um total de 20 projectos de investigação na área da saúde e biomedicina em Portugal e Espanha. No primeiro concurso promovido em Portugal pela parceria da Fundação “la Caixa” com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia há uma verba de cinco milhões de euros para financiar oito projectos que procuram soluções para problemas que vão desde a malária à depressão, passando por doenças cardíacas ou respiratórias. Os vencedores são anunciados esta quarta-feira numa sessão no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa.

Oncologia, neurociências, doenças infecciosas e cardiovasculares e uma quinta porta aberta para “projectos transdisciplinares com impacto na medicina” são as áreas prioritárias deste concurso ibérico de milhões, que casa o financiamento privado e público.

Entre os oito vencedores portugueses, está a investigadora Maria Mota, do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, que propôs mais um projecto que quer ajudar a esclarecer os mecanismos de infecção do parasita que causa a malária. Desta vez, a equipa vai tentar perceber quais são os aliados do parasita no fígado, o local onde a doença se instala e progride. “O objectivo é encontrar novos tratamentos que travem a replicação do agente patogénico e eliminem a malária”, refere um resumo sobre o trabalho.

Leopoldo Petreanu, investigador da Fundação Champalimaud e outro dos vencedores desta edição da iniciativa, vai mergulhar no cérebro humano para esclarecer a rede neuronal onde se armazenam as previsões que aprendemos no passado e de que forma se combinam com novos estímulos. Desta forma, espera contribuir para uma melhor compreensão de disfunções como a “esquizofrenia ou distúrbios do espectro autista que apresentam deficientes capacidades preditivas”.

Também da Champalimaud, o investigador Carlos Vidal Ribeiro vai chegar ao cérebro de uma outra forma inesperada. O título do resumo do projecto é no mínimo intrigante: “As bactérias intestinais decidem pelo cérebro o que comer.” O plano, descreve num comunicado, é aprofundar os mecanismos moleculares de bactérias intestinais que podem afectar o funcionamento do nosso cérebro e compreender a sua interacção com a ingestão de nutrientes. 

“Como as células guardam a informação genética”, é a proposta do projecto de Colin Adrain, da Fundação Calouste Gulbenkian, que quer “conhecer a fundo os processos biológicos através dos quais se enovelam as proteínas na sua membrana celular”. Na Universidade de Coimbra, Rodrigo Cunha, investigador do Centro de Neurociências e Biologia Celular, conquistou apoio para “entender a base neurológica da depressão” e, a partir daí, obter novas terapias.

Mais a norte, na Universidade do Porto, Joaquim Adelino Correia vai procurar “uma nova terapia para a insuficiência cardíaca” através da investigação em animais dos benefícios de um tratamento já desenvolvido, a ressincronização sequencial cardíaca (Secret, na sigla em inglês). Mais a norte ainda, na Universidade do Minho, o investigador Agostinho Carvalho quer identificar novos biomarcadores que indiquem a susceptibilidade das pessoas com doença pulmonar obstrutiva crónica para desenvolver uma reacção alérgica ao fungo Aspergillus que existe no ar que respiramos.

Por fim, voltando a Lisboa, o investigador Rui Eduardo Mota Castro, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, vai liderar um projecto que quer desenvolver novos tratamentos para combater a obesidade e problemas de saúde associados, como a doença do fígado gordo não alcoólico. 

“Melhorar o mundo”

A iniciativa ibérica que une a Fundação “la Caixa” à FCT foi anunciada em Fevereiro deste ano e formalizada nesse mesmo mês no Conselho de Ministros dedicado à ciência, que decorreu no Porto. O objectivo é apoiar a investigação realizada em centros portugueses em colaboração com outros centros internacionais e conseguir atrair projectos que representem um benefício da saúde e que sejam capazes de contribuir para o bem-estar das pessoas. Algo, portanto, com a perspectiva de um reflexo directo na vida das pessoas. Ou, nas palavras de Artur Santos Silva, presidente honorário do BPI e curador da Fundação “la Caixa”, trata-se aqui de “financiar a ciência para melhorar o mundo”.

O desafio atraiu, em Portugal, 167 candidaturas de equipas de investigação que apresentaram projectos. “A elevada participação no concurso demonstra a necessidade de dar resposta a iniciativas de excelência e potenciar e garantir o êxito de projectos na luta contra as doenças que têm mais impacto no mundo, como as cardiovasculares, neurológicas, infecciosas e oncológicas, para além dos projectos destinados a tecnologias biomédicas”, refere um comunicado sobre este programa, adiantando que foram recebidos 785 projectos no total (contabilizando as candidaturas de Portugal e Espanha) e seleccionados 20. “Esta é a primeira convocatória que se faz com o pressuposto da translação do conhecimento gerado para a saúde”, anuncia Artur Santos Silva.

Em declarações ao PÚBLICO, Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, lembra que este é o segundo protocolo assinado pelo Governo com uma fundação privada, depois de em 2016 ter assinado um acordo com a Fundação Aga Khan com alvo apontado para projectos importantes para África. O objectivo é “partilhar o risco” com mais entidades privadas no futuro e, assim, aumentar o investimento na ciência que se faz em Portugal.

Neste caso, o acordo pressupõe que a avaliação das propostas é feita segundo as regras que a Fundação “la Caixa” organizou para este concurso com 256 avaliadores internacionais. Depois de uma selecção feita em vários passos, chegou-se a um ranking e foram escolhidos os quatro melhores projectos apresentados por investigadores a trabalhar em Portugal, a FCT cobriu a aposta e vai financiar os quatro seguintes na lista. O protocolo entre a “la Caixa” e o Governo português pressupõe que a participação da FCT passa sempre por duplicar a aposta que é feita em Portugal, ou seja, metade para cada lado. Os oito projectos que serão desenvolvidos nos próximos anos em Portugal vão receber cinco milhões de euros, numa partilha que será “aproximadamente em partes iguais” e de acordo com as necessidades que reclamaram na candidatura.

Sem confirmação ainda, resta a expectativa de um reforço financeiro da próxima edição desta iniciativa ibérica que junta dois países e e casa o sector público com o privado através da ciência. Artur Santos Silva lembrou ao PÚBLICO que a Fundação “la Caixa” investiu 30 milhões de euros em investigação científica (através de diferentes acções) em 2017 mas existe a ambição de chegar aos 90 milhões em 2020.

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