Supremo obriga TVI a pagar 20 mil euros a Robert Murat
Cidadão britânico foi apontado por aquela estação de televisão como "pedófilo" além de como principal suspeito no caso do desaparecimento de Maddie, em Maio de 2007. O tribunal reconheceu-lhe o direito a ser indemnizado.
A TVI vai ter que pagar 20 mil euros a Robert Murat, o britânico publicamente acusado de frequentar sites pedófilos e que chegou a ser apontado como suspeito no caso do desaparecimento de Maddie, no dia 3 de Maio de 2007. O Supremo Tribunal de Justiça determinou, num acórdão de Junho passado, que aquela estação de televisão foi culpada “ao menos na modalidade de negligência consciente” por se ter referido ao cidadão britânico como “pedófilo”.
A TVI foi um dos órgãos de comunicação social que apontaram Robert Murat como um dos suspeitos na investigação acerca do desaparecimento da criança britânica. Murat, que tinha na altura 35 anos, vivia a cerca de 100 metros do apartamento onde estava a família McCann e foi uma presença constante naqueles dias em que chegou a participar nas buscas e a servir de intérprete junto dos jornalistas britânicos que invadiram a praia da Luz, em Lagos. Mais tarde, foi interrogado durante várias horas pela Polícia Judiciária e acabou por ser constituído arguido, depois de a sua casa ter sido alvo de buscas.
O tribunal deu como provado que a TVI se referiu a Murat como “um dos principais suspeitos do desaparecimento da menina”, tendo noticiado que a PJ lhe descobriu a frequência “de páginas de violência sexual no computador”. Mais tarde, a TVI referiu-se-lhe como “pedófilo”. E, segundo o tribunal, o qualificativo foi-lhe atribuído sem que a TVI tivesse tido o cuidado de se assegurar da veracidade da afirmação e com o intuito “de fazer subir as audiências”.
A TVI alega que se limitou a reproduzir a informação constante nas primeiras páginas dos jornais daquele dia, 15 de Maio de 2007, a qual havia sido objecto de investigação jornalística, tendo actuado num ambiente de liberdade de expressão, no âmbito de um caso que assumiu um mediatismo poucas vezes visto.
Sustentando que, entre os direitos ao bom nome e à honra e os direitos à liberdade de expressão e de informação, a jurisprudência aponta para que devam prevalecer os segundos, a TVI alegou ainda que tentou obter junto do britânico a sua versão dos factos.
O certo é que, a partir dessa altura, o britânico (que estava a montar uma empresa na área do imobiliário e que tinha uma filha com a mesma idade de Maddie de quem acabaria por ter de se afastar) nunca mais pôde sair à rua sem ser apontado e incomodado. As cartas, emails e telefonemas ameaçando-o e à sua família sucediam-se a um ritmo diário. Murat entrou em crise depressiva. Passou a sofrer de insónias, taquicardia, amnésia e ansiedade. Procurou ajuda psiquiátrica, isolou-se e, se tinha de sair, fazia-o disfarçado. A dada altura, teve de mudar de casa e passou a estar economicamente dependente de sua mãe.
TVI absolvida na primeira instância
Na primeira instância, o tribunal absolveu a TVI, tendo Murat recorrido para a Relação que lhe reconheceria o direito a ser indemnizado em 20 mil euros. O caso subiu depois ao Supremo, por iniciativa da estação de televisão, que veio agora confirmar aquele montante e corroborar o acórdão recorrido, nomeadamente no ponto em que, afastando a ilicitude das notícias que apontavam Murat como suspeito e arguido, censurava, porém, a sua qualificação como pedófilo. “Aquelas referências ao autor consubstanciam imputação grave, que em nada contribuía ou contribuiu para o debate público em torno do desaparecimento da menina”, consideraram os juízes, para quem se tratou de “um ataque pessoal e gratuito" que o facto de o autor ter sido investigado e constituído arguido "não justifica”.
Do mesmo modo, “a difusão de que o mesmo era consumidor de sites de pedofilia não se explica com dificuldades na averiguação da sua veracidade pelo segredo de justiça que envolvia a investigação, pois este facto só impunha uma maior exigência e cuidado por parte da ré [TVI] quanto à fidedignidade da informação antes de a veicular a coberto do exercício do seu nobre direito de informar”.
“Se é compreensível e natural a ré pretender fazer subir as suas audiências, já não é curial que com tal desiderato procedesse também à divulgação das referidas afirmações, gravosas e lesivas da honra e do bom nome do autor”, lê-se no acórdão, onde se conclui que essa divulgação “não derivou de qualquer imperiosa necessidade social susceptível de se entender como necessária e adequada”.
Para os juízes, o facto de a TVI se ter limitado a difundir notícias de teor idêntico não a exime da sua responsabilidade, “apenas relevando para efeito de quantificação da indemnização”. A sentença não é susceptível de recurso.