Filmes-concerto no Curtas: a noite Linda foi mais bela que a Fachada
Linda Martini em grande nos filmes-concerto do Curtas Vila do Conde, depois do erro de casting de B Fachada.
Os encontros entre a imagem e a música da secção Stereo são sempre pontos altos da programação do Curtas Vila do Conde e uma das marcas distintivas do festival, mas há que dizer que este ano a coisa teve resultados mistos.
Dois dos cinco programas propostos encaixavam-se mais (nas palavras de Mário Micaelo, um dos responsáveis do Curtas) num conceito de “residência artística”, como foi o caso das actuações de Joana Gama e Luís Fernandes e de Moor Mother e Jonathan Saldanha, onde a música era o ponto de partida para o trabalho de imagem (manipulada em tempo real). Os restantes três partiam da imagem, e de filmes pré-existentes, para o já tradicional “filme-concerto”.
Quem viu disse que a improvisação dos Black Bombaim sobre o documentário experimental de Wolfgang Lehmann Dragonflies with Birds and Snake terá sido arrebatadora, mas por nós confessamo-nos absolutamente rendidos ao contínuo de música com que os Linda Martini ilustraram o filme surrealista La Coquille et le clergyman: 40 minutos de rock ora musculado ora sonhador em sintonia com as imagens visionárias criadas pela cineasta pioneira Germaine Dulac em 1927 para um guião onírico de Antonin Artaud.
Filme todo ele centrado nas pulsões de um padre cujos desejos obscuros se manifestam através de uma associação livre de símbolos, alegorias, metáforas, La Coquille et le clergyman utiliza de modo singular efeitos fotográficos (desde a câmara lenta à sobreposição) inabituais no período. A sua descrição no genérico como uma “composição visual” faz por isso todo o sentido, é por aí que a atenção que os Linda Martini prestaram aos ambientes e aos ritmos da própria montagem ganhou a noite. O trabalho do quarteto respeitou e amplificou os pulsos e as pulsões da imagem, num loop de feedback que ficou a ecoar para lá do cartão de “fim” na imagem.
Foi pena que o outro filme-concerto do Curtas não tenha mostrado o mesmo entrosamento. Ilustrando The Cameraman/O Homem da Manivela, de Edward Sedgwick, uma das comédias mais aclamadas do mestre Buster Keaton, B Fachada propôs essencialmente um concerto de greatest hits escolhidos do seu catálogo em função da narrativa do filme, num exemplo clamoroso de erro de casting. Se, no papel, as canções falsamente naïves do cantautor parecem partilhar uma certa inocência melancólica com as personagens de Keaton, na prática era se como filme e música estivessem de costas voltadas.
As canções pareciam estar sempre a lutar contra a clareza cristalina das imagens, ao ponto de The Cameraman parecer meramente uma imagem que estava para ali a passar ao fundo durante um concerto, ou de B Fachada ser uma excrescência que nada adiantava ao filme de Sedgwick e Keaton. O resultado foi uma das experiências pior sucedidas de sempre no Stereo.