TVI obrigada a desfocar cara de rapaz adoptado por bispo da IURD

Tribunal não avalia falsidade ou veracidade da forma como decorreu a adopção, analisando apenas se o visado tem direito à sua imagem e privacidade.

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Ministério Público está a investigar alegada rede de adopção ilegal. Rui Gaudêncio

Uma providência cautelar interposta por um rapaz que foi adoptado por um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e hoje é adulto obriga a TVI a desfocar a cara do visado e a eliminar o seu nome verdadeiro em três episódios da série informativa “O Segredo dos Deuses”, disponível nos sites daquela estação de televisão.

O juiz Luís Pinto, do Tribunal Cível de Oeiras, justifica a decisão, datada do passado dia 13, com a “protecção da imagem, privacidade e identidade do autor”, que, segundo considera provado, terá sido abordado por desconhecidos para falar da sua adopção. O magistrado faz questão de realçar que não avaliou a falsidade ou veracidade da forma como decorreu a adopção, nem põe em causa o interesse público na denúncia de uma alegada rede de adopções ilegais.

Foi esse o objectivo da série informativa da TVI com 10 episódios, exibida em Dezembro do ano passado. As reportagens relatavam vários casos de crianças que terão sido entregues por famílias desfavorecidas a um lar que a IURD manteve em Lisboa nos anos 1990 e terão acabado no estrangeiro, adoptadas de forma irregular. Nas histórias incluem-se os filhos das duas filhas de Edir Macedo, o brasileiro que lidera aquele culto. A IURD desmentiu as acusações e anunciou processos judiciais contra a TVI.

“Para o desenvolvimento da reportagem na perspectiva do interesse público é irrelevante que os telespectadores saibam o nome real do autor, tal como é irrelevante que vejam imagens suas em criança e/ou adulto”, considera o juiz. Sem essas referências, afirma Luís Pinto, desconhecidos não poderiam abordá-lo.

O tribunal dá igualmente como provado que por causa da transmissão da reportagem, o requerente “acabou por reviver episódios da sua infância que queria esquecer”. E que este continua “a sentir frustração e impotência por ver a sua imagem diariamente devassada nos conteúdos disponibilizados online”.

O juiz considera “incompreensível” o tratamento diferenciado dado pela série da TVI à mulher que aparece como mãe biológica do visado e que “não é identificada com o nome real, e nunca se vê a imagem do rosto”. Tal aconteceu a pedido da própria, como a mesma explicou quando foi ouvida em tribunal.

O magistrado considera ilícita a divulgação das imagens e a revelação do nome completo do visado, já que o mesmo não autorizou as jornalistas da TVI a divulgarem “factos relativos à sua vida ou ao processo de adopção, ou imagens suas”.

Mesmo assim, e invocando “a liberdade de imprensa e de informação, constitucionalmente garantidas” o juiz recusa-se a remover das páginas electrónicas da TVI os três episódios em que a história do rapaz é referida, como este pedira. “Não pode, ou não deve, o tribunal proibir a transmissão de uma reportagem na sua totalidade, para proteger o autor de parte do conteúdo de tal reportagem”, defende o juiz. No fim, Luís Pinto, diz que será suficiente para “proteger a imagem e intimidade” do requerente a ‘pixelização’ da imagem do seu rosto e a eliminação do seu nome verdadeiro, nos episódios ainda disponíveis no site”.

Contactada pelo PÚBLICO, a TVI não reagiu, em tempo útil, a esta decisão judicial.

Ainda esta quinta-feira a IURD afirmava-se disponível para dar todos os esclarecimentos sobre as alegadas adopções ilegais de há 20 anos para a conclusão "tão breve quanto possível" das investigações. A posição ocorreu um dia depois de o Parlamento ter chumbado propostas do PSD e do CDS para a criação de comissões para averiguar o que se passou com as alegadas adopções por responsáveis da IURD. O Ministério Público abriu um inquérito para investigar estas suspeitas, um processo que ainda está em curso.

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