Esperanças, surpresas, confirmações: o Curtas continua no sítio

Declive, de Eduardo Brito, é de longe a melhor curta de uma selecção competitiva em velocidade de cruzeiro com forte pronúncia do Norte

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Declive, de Eduardo Brito dr
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Sara F., de Miguel Fonseca dr
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Sara F., de Miguel Fonseca dr

Para o bem ou para o mal, a “Geração Curtas” impôs uma fasquia à qualidade das curtas portuguesas apresentadas no Curtas Vila do Conde que, a longo prazo, seria insustentável. Em primeiro lugar porque o festival nortenho já não está sozinho no calendário nacional de certames, em seguida porque já não é tão fácil olhar para ele como “bitola” ou “padrão” do que se está a fazer. O Curtas não se tornou por isso “apenas mais um” festival – mas se em edições anteriores era mais imediatamente visível se este era um bom ou um mau ano para a produção nacional, neste momento as pistas estão mais baralhadas, menos evidentes.

Não faltaram, é certo, bons filmes na competição nacional, e vimos pelo menos dois títulos na secção de escola Take One! que mereceriam estar na “turma dos grandes” (Flor do Gás, de João Castela, e A Ver o Mar, de Ana Luísa Oliveira, Sara Santos e André Puertas, substituiriam com franca vantagem alguns dos títulos na selecção oficial). Mas é curioso como a maior parte dos filmes que nos convenceram neste Curtas 2018 têm “pronúncia do Norte” - quer em termos de base de produção quer em termos de ambientes explorados nas próprias curtas (haverá que juntar às curtas de que acima falámos Agouro de David Doutel e Vasco Sá, Placenta de Paulo Lima ou 3 Anos Depois de Marco Amaral).

Houve espaço para duas surpresas: Pixel Frio, de Rodrigo Areias, o fim de uma paixão contado através da distância que se criou entre o casal e da arte que cada um deles pratica; e Sara F., de Miguel Fonseca, exploração brutal da descontinuidade entre a vida real e o mundo online. Areias, vimaranense em constante desmultiplicação (realizando curtas e longas entre as suas produções na Bando à Parte), é um peculiar caso de espontaneidade diletante em permanente avanço, em que cada filme parece corresponder a uma vontade de experimentar outros caminhos. Quando resulta, como neste filme mais abstracto mas francamente sedutor feito de corpos e planos em avanço e recuo, revela-se um cineasta escondido que sabe como se apropriar do espaço e do tempo como elementos centrais para a sua história.

Já Fonseca continua a ter como norte formal e criativo Sandro Aguilar (que, sem spoiler, é montador de Sara F. e igualmente seu produtor através do Som e a Fúria), mas o seu novo filme, história de uma adolescente solitária que recebe misteriosas mensagens de bullying enviadas por uma desconhecida, é um trabalho de meticulosa gestão de contrastes e ritmos. De um lado, a violência veloz e sensacionalista (e por isso brutal) do constante navegar na internet e do absurdo da viralidade gratuita, os 57 channels and nothing on de Springsteen multiplicados ao infinito da loucura. Do outro, a pacatez solitária de uma miúda que vive debruçada sobre os seus écrãs e que parece ela própria separar-se em personalidades distintas. Sara F. é um espelho distorcido do nosso mundo, é um pequeno pesadelo para os nossos dias.

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Declive

Saltando por cima do travelogue sensorial de Mónica Baptista, Água Forte (que nos pareceu fazer mais sentido no concurso experimental), da esperança afro-chaplinesca de Madness de João Viana (cuja “versão longa”, Our Madness, venceu o IndieLisboa há poucos meses e, por isso, não tinha o elemento-surpresa da maior parte do programa) e do ruralismo onírico de Paulo Lima em Placenta (uma ideia esticada muito para lá do que sustenta), sobra uma confirmação que muito nos apraz. É a segunda curta de Eduardo Brito, cuja passagem à realização com o encantatório Penúmbria (2016) encontra sucessor à altura em Declive, pequena vinheta nostálgica e milenar, conto de embalar transportado pela voz off aconchegante, narcótica de Lula Pena. É, de muito longe, a nossa curta preferida do concurso – mesmo que lhe prefiramos o rigor mais aberto e sebastianista de Penúmbria, não há como negar a exacta adequação de tempo, ritmo, imagem e som que Brito consegue em apenas sete minutos de projecção. Tudo está no seu sítio, e assim continuará enquanto a casa que lhe serve de centro estiver de pé e a paisagem à sua volta não mudar. É uma boa metáfora para definir o Curtas Vila do Conde: tudo no seu sítio.

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