Justiça espanhola abre inquérito às gravações da antiga namorada do rei Juan Carlos
Corinna zu Sayn-Wittgenstein foi gravada por um antigo comissário da polícia a dizer que o monarca, que entretanto abdicou, a usou como testa de ferro para esconder propriedades no estrangeiro.
A Audiência Nacional, o tribunal espanhol para os casos mais graves e as questões de Estado, abriu uma investigação ao conteúdo das gravações feitas em 2015 em Londres pelo empresário e comissário da polícia reformado José Villarejo. Numa delas, Corinna zu Sayn-Sayn-Wittgenstein , que teve uma relação amorosa com o rei Juan Carlos, diz que foi usada pelo pai de Felipe VI como testa de ferro para ocultar património.
O juiz Diego de Egea viu indícios de delito nas gravações de Villarejo, que está preso preventivamente desde 5 de Novembro de 2017 por suspeita de branqueamento de capitais e de organização criminosa. No auge da sua actividade de empresário, Villarejo geria 46 empresas que movimentavam 16 milhões de euros.
As gravações, encriptadas, foram encontradas nas buscas às residências de Villarejo no âmbito de uma das investigações de que é alvo, o caso Tándem. Durante 25 anos, e ainda não se sabe porquê, o antigo comissário da polícia gravou conversas com empresários, políticos, juízes e outros. Corinna foi gravada em 2015, na sua casa em Londres, num encontro com Villarejo organizado por Juan Villalonga, empresário amigo de ambos que foi vice-presidente da Telefonica, uma das maiores companhias de telecomunicações do mundo.
Segundo o jornal online El Español, que juntamente com o OK Diario divulgou as gravações no início de Julho, Corinna — com quem Juan Carlos já terminara o romance; o caso começou em 2006 e acabou em 2012 — queixa-se de estar a viver um “pesadelo”. O rei de Espanha, explica, tinha posto em nome dela propriedades em Marrocos e noutros lugares e agora exigia-as de volta, mas Corinna tinha medo de as passar para o nome de uma terceira pessoa porque podia ser acusada de crime de branqueamento.
Diz ainda que Juan Carlos cobrava comissões quando facilitava um negócio a uma empresa espanhola e que o agora rei emérito tem contas na Suíça em nome de um primo afastado, Álvaro de Orleans-Borbón, outro testa de ferro, segundo Corina.
A imprensa espanhola lidou como pôde com a revelação das gravações. Alguns jornais remeteram o assunto para as páginas sobre celebridades onde há anos se explica que Juan Carlos e a sua rainha, Sofia, há muito que vivem separados — trava-se, disseram, de acusações feitas por uma namorada ferida por ter sido trocada.
Outros explicaram quem é Corinna zu Sayn-Wittgenstein, a mulher de 54 anos que manteve o apelido (e o título de princesa) do último marido, o aristocrata príncipe Casimir zu Sayn-Wittgenstein , reside agora no Mónaco e se intitula conselheira. Quando o rei Juan Carlos a conheceu, desconfiou das suas intenções e comentou com uma amiga que a então organizadora de safaris de luxo o queria "caçar" — conseguiu, e viajou pelo mundo e fez negócios em nome do rei e em nome próprio no Médio Oriente, Europa e continente americano.
Alguns jornais, porém, apostaram desde o princípio na história, defendendo que o rei emérito deve ser investigado e, se for o caso, responsabilizado por eventuais crimes.
Suborno e branqueamento
A abertura do processo pela Audiência Nacional pôs o tema “Corinna” na lista dos assuntos sérios e inevitáveis. Por isso, alguns já arriscam algumas conclusões. O El País, por exemplo, diz que os investigadores têm agora que apurar a veracidade desta “suposta dinamite informativa” — Corinna disse que Juan Carlos cobrou para mediar a construção em Meca (Arábia Saudita) do comboio de alta velocidade que tem tecnologia espanhola e envolveu 12 empresas de Espanha. A ser verdade, esta actividade conduzirá a investigações por suborno internacional e branqueamento de capitais, disseram os investigadores.
Na frente cor-de-rosa, ou seja entre os especialistas das chamadas “revistas do coração”, já se está um passo à frente na abordagem do tema. O veterano jornalista do social Jaime Peñafiel explicou numa entrevista ao El Español que Juan Carlos põe a monarquia em perigo mais uma vez — quando muitos acreditavam que a grande crise passara depois da abdicação. Esta foi motivada por sucessivos escândalos, entre eles uma polémica e desastrosa caçada de Juan Carlos ao Botswana (altura em que foi oficialmente tornada pública a relação com Corinna) e da acusação contra Iñaki Urdangarin, genro do rei emérito e condenado por corrupção (a mulher, a infanta Cristina, primeiro membro da família real no banco dos réus, foi absolvida).
“Há motivos para Juan Carlos ter que declarar perante o Supremo”, disse Peñafiel. Ao abdicar, em 2014, Juan Carlos perdeu a inviolabilidade (que tinha na altura da relação com Corinna), mas continua com uma protecção especial e só pode ser julgado pelo Supremo Tribunal.
O jornalista que é especialista em questões de monarquia e já teve uma relação muito próxima com a família real espanhola diz que Felipe VI vai ser afectado pelo escândalo. “É muito grave e vai provocar danos na instituição monárquica. Mas que pode ele fazer? Afastar o pai? É impossível”.
Na próxima quinta-feira os juízes vão interrogar Villarejo sobre as gravações de Corinna. Uma das perguntas dos investigadores será porque razão as fez. As gravações podem comprometer Villarejo em vários crimes, entre eles a suspeita de chantagem contra o Estado, caso se perceba que pretendia usar as gravações para se proteger ou para ficar em vantagem sobre os escutados e mencionados. Outra é porque razão foram agora divulgadas. Há apenas uma certeza: o conteúdo revelado é apenas uma pequena fracção do que o antigo comissário da polícia gravou.