A banqueira do coração e outros episódios de juventude

Entre Sombras, delicioso jogo lúdico com a estética do film noir, é a melhor das primeiras curtas nacionais a concurso no Curtas

Curtas Vila do Conde, curta metragem, filme, cinematografia
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Entre Sombras é um enorme jogo lúdico com a estética do film noir
Onde o verão vai (capítulos sobre a juventude), 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, Festival Internacional de Cinema de Karlovy Vary, curta metragem, diretor de cinema
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Onde o Verão Vai (Episódios da Juventude), filme sensorial que funciona como cartão de visita de um realizador ainda em processo de formação
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Anteu: rituais do ruralismo, da própria solidão existencial

Em 2015, uma dupla de realizadoras nortenhas criou um pequeno fenómeno no Curtas com Amélia e Duarte – uma combinação inventiva de imagem real e animação fotograma-a-fotograma que ganhou o Prémio do Público e fez a partir daí uma carreira internacional. Tudo aponta para que o regresso de Alice Eça Guimarães e Mónica Santos, três anos depois, repita o fenómeno com Entre Sombras – o melhor dos primeiros seis filmes portugueses exibidos a concurso em Vila do Conde, novamente na terra de ninguém entre a animação e a imagem real, mas passando ao “patamar seguinte” de complexidade de produção. História de uma empregada num “Banco do Coração” que é arrastada por um homme fatal para uma aventura rocambolesca, Entre Sombras é um enorme jogo lúdico com a estética do film noir – preto e branco contrastado, décors art-deco e figurinos hollywoodianos – com toques de surrealismo pop, paredes meias com o naïf, que abrem sedutoras pistas criativas. O principal senão é que essas pistas ficam, não raras vezes, pela rama, preteridas em favor da velocidade do ritmo e do convite feito ao espectador para embarcar no jogo – mas isso, aqui, não é forçosamente um problema e Entre Sombras prolonga a frescura e a boa disposição de Amélia e Duarte, características que tanto faltam na curta-metragem “de autor”.

É de frescura, ainda assim, que se pode falar a propósito da polaroid de verão com que David Pinheiro Vicente infundiu Onde o Verão Vai (Episódios da Juventude), a sua curta de escola que teve entrada no concurso de Berlim e que surge também na competição do Curtas, filme despretensioso e sensorial que funciona como cartão de visita, mas pouco mais, de um realizador ainda em processo de formação. É também por aí que se deve ver a estreia na realização de uma actriz que muito estimamos, Ana Moreira, com Aquaparque - primeiro esforço honroso que não revela, ainda, identidade por trás da câmara, filme de aprendizagem que talvez não merecesse ser atirado para o concurso principal.

No exacto oposto está o regresso de João Vladimiro, vencedor do IndieLisboa 2013 com o indescritível Lacrau. Para o bem e para o mal, Vladimiro continua indescritível e indefinível – autor de um cinema resolutamente pessoal e absolutamente livre, bloco telúrico que se apresenta ao espectador por inteiro e se presta a todo o tipo de leituras e possibilidades. Anteu, que contou com a colaboração de Gonçalo M. Tavares na criação da voz off, Frederico Lobo ou Telmo Churro, tem a estrutura narrativa que faltava a Lacrau; mas a sua exploração dos rituais do ruralismo, da própria solidão existencial, através da história de um rapaz que sobrevive à progressiva desertificação da sua aldeia para se tornar no “último homem vivo”, está sempre à beira de se esgotar num gague seco contado em ultra-câmara-lenta. Anteu não se abre, é preciso sermos nós a desbastá-lo – caberá a cada um decidir se o quer fazer, na certeza de que o seu autor não exige menos do que a entrega a cem por cento.

Sobram, nestas primeiras duas sessões competitivas, dois filmes estranhamente semelhantes – Pas de Confettis, de Bruno Ferreira, e Sheila, de Gonçalo Loureiro, são histórias de adolescentes forçadas a crescer cedo demais que, apesar do aparato de estilo que exibem, acabam surpreendentemente anónimos, mesmo previsíveis, na maneira como abordam e ilustram o tema. Sheila leva a melhor sobre Pas de Confettis, mas não deixa de ser curioso que ambos estes olhares sobre a questão da gravidez adolescente sejam escritos e filmados por homens, como se houvesse uma tentativa (bem-intencionada mas desconjuntada) de compreender um problema que lhes é intrinsecamente estranho.

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