Silêncio de Pinho sobre dinheiro do GES é "despudoradamente anormal", critica Ana Gomes

Ana Gomes ficou chocada com Manuel Pinho por este se ter recusado esclarecer suspeitas sobre avença mensal do GES quando era ministro. "Não me passava pela cabeça" que não explicasse, reagiu João Cravinho

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Sobre o silêncio de Manuel Pinho, a eurodeputada Ana Gomes reage: "Tem de ser investigado pelo poder judicial e pelo poder político." rui gaudêncio

Três horas depois e as perguntas que levaram o PSD a propor a audição de Manuel Pinho na Comissão de Economia e Obras Públicas ficaram sem resposta. “Quando convido alguém para ir ver futebol a minha casa não o ponho a esfregar o chão”, ironizou o antigo ministro socialista e usou amiúde essa imagem para se justificar por que não respondia a qualquer pergunta que não fosse exclusivamente sobre política de energia – essa fora a sua condição para aceder a ir ao Parlamento. Perante a insistência do PSD, Pinho leu uma declaração que trazia escrita. “Disse que não aceitaria responder a outros factos concretos que estão ser alvo de investigação judiciária e que têm a ver com o meu relacionamento com o Grupo Espírito Santo. Factos com os quais nunca fui confrontado. Aliás, nem sequer sou arguido nesse processo.”

O silêncio de Manuel Pinho acabou por chocar vários socialistas – mas nenhum estava na sala da comissão. Porque da meia dúzia que por ali passaram, apenas Luís Moreira Testa questionou o antigo ministro exclusivamente sobre como baixar o preço da energia no consumidor e o defendeu das investidas do PSD, Bloco, CDS e PCP. O deputado coordenador do PS na comissão acusou os sociais-democratas de fazerem “insinuações” mas no final alertou Pinho de que a comissão de inquérito terá outras "competências e poderes”. "Haverá mais oportunidades", ouvia-se na sala.

“Acho [o silêncio] despudoradamente anormal! Tem de ser investigado pelo poder judicial e pelo poder político, do PS em particular porque foi pela mão do PS que foi a ministro”, reagiu ao PÚBLICO a eurodeputada Ana Gomes. “Não me passa pela cabeça que um ex-ministro não dê explicações sobre o que fez no exercício das suas funções como ministro”, afirmou também ao PÚBLICO João Cravinho, ex-ministro do PS, sublinhando que as suspeitas que existem não têm a ver com a sua vida pessoal mas com o exercício de funções políticas. Já o presidente do PS e líder da bancada, Carlos César, limitou-se a comentar, inquirido pelo PÚBLICO, que Pinho “terá necessariamente que o dizer [dar explicações] na investigação judicial”. Nesta terça-feira à noite na SIC Notícias, Carlos César diria ainda que a forma como Pinho se dirigiu aos deputados “foi infeliz e arrogante”.

Estes três socialistas de peso foram algumas das vozes que se indignaram publicamente em Abril contra Manuel Pinho. A notícia de que o antigo ministro teria recebido por mês 16 mil euros do GES enquanto estava no Governo, avançada pelo Observador, mereceu duras críticas do PS e mesmo pedidos de explicações com urgência – o que afinal acabou por não acontecer. Os socialistas mais indignados tinham sido Carlos César, João Galamba, Ana Catarina Mendes, Ana Gomes e João Cravinho. Na altura, consideraram que as suspeitas em torno de Pinho estavam a prejudicar o PS, “envergonhando” mesmo o partido e que, por isso, deviam ser rapidamente esclarecidas.

A promessa das explicações fica adiada para a sua futura passagem pela comissão de inquérito às rendas da energia, esperando-se que isso fique agendado para depois de Pinho ser “confrontado” na investigação que está em curso e “perceber o que está em causa”, já que essa é condição sine qua non para poder falar no Parlamento, como disse à saída da audição o seu advogado, Ricardo Sá Fernandes. E isso inclui a ida à comissão de inquérito, admitiu ao PÚBLICO. Pinho “viu a sua reputação destruída. Foi massacrado com base em notícias retiradas de um processo em que ainda não foi ouvido”, alegou o advogado.

Mas foi até Pinho quem propôs colaborar mais tarde. "Espere pela minha vinda à comissão das rendas e falaremos sobre a minha resolução de gravíssimos casos empresariais no sector da energia. Tenho informação muito interessante", disse, prometendo à bloquista Mariana Mortágua ir mais atrás do que 2004.

Perguntas por responder

Do PSD, BE, CDS e PCP vieram perguntas sobre qual a sua ligação (directa ou indirecta) às diversas empresas offshore relatadas na investigação, se tinha recebido dinheiro através delas, quanto, em que período, e de onde ele provinha; se tinha prestado todas as declarações correctas nos registos de interesses no Parlamento, nas declarações de rendimentos e património junto do Tribunal Constitucional; de onde vinham os 490 mil euros declarados por dois meses de trabalho no GES em 2005 – “se os declarei é porque os ganhei”, limitou-se a dizer -; qual a sua ligação ao GES antes e depois de entrar para o Governo de José Sócrates; como foi o processo de compra de uma casa em Lisboa a um fundo do BES; quais as condições negociadas com o GES sobre a sua futura reforma; quais as suas ligações à EDP antes e durante as suas funções no Governo; se se considerava imparcial como ministro a decidir sobre o GES e a EDP. A todas as perguntas Manuel Pinho replicou “não vou responder” ou simplesmente com silêncio. "Não sou político e não tenho cartão nenhum em nenhum partido. Mas não é por não ter cartão político que tenho menos direitos que os senhores”, atirou.

O PSD leu esse silêncio como “extremamente esclarecedor”, o CDS-PP avisou que é também uma forma de “populismo”, e o Bloco salientou que são questões que mostram que há um “esquema Mensalão” em Portugal.

Ironias e ataques

Manuel Pinho não poupou nas ironias e em ataques – até mesmo ao PS -, e nos elogios ao PCP e ao Bloco. Defendeu a redução da factura da electricidade, que apelidou de “vaca leiteira” por servir para financiar toda a gente, através do fim da taxa para a RTP e da redução do IVA (que é igual para a luz, “as joias, casacos de pele e barcos de recreio”). Defendeu que os CMEC representam apenas dois euros em cada 40 da factura, mas atirou as culpas da sua criação e dos restantes contratos para o PSD, que foi o “pai dos CMEC e a mãe das barragens”. Ele, Pinho, só terminou o processo de aplicação da legislação criada por Barroso e Santana em 2004 – e, apesar dos problemas que logo encontrou, não mudou nada porque não o podia fazer.

Manuel Pinho vincou por três vezes partilhar “da opinião da maioria dos portugueses” de que a energia em Portugal “é cara, muito cara”, que “há um trânsito enorme entre a política e as empresas” e que “a venda de empresas estratégicas causa polémica” – afirmações que causaram o escárnio dos deputados.

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