Orbán visita Netanyahu: a estranha aliança entre radicais europeus e Israel

A Hungria apoia Israel dentro da União Europeia, mas isso obriga o primeiro-ministro israelita a ignorar o antisemitismo no país.

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Netanyahu e Orbán em 2017, em Budapeste Bernadett Szabo/Reuters

Israel recebeu nesta quarta-feira o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, que visita o país durante dois dias. Mas a imprensa israelita tem publicado artigos sobre o Governo de Orbán e as suas decisões cada vez mais anti-democráticas e, pior, anti-semitas. Mas há também artigos a defender que Israel tem o direito de fazer alianças tácticas, como os outros países, ainda por cima quando tem um ambiente hostil da parte dos seus vizinhos.

As vozes críticas usam sobretudo dois argumentos: que a Hungria de Orbán é cada vez menos democrática, e que este usou uma campanha anti-semita para ganhar as últimas eleições.

“As circunstâncias únicas de Israel, incluindo de segurança, levam a que procure desenvolver a maior rede de apoios possível”, disse o antigo embaixador americano em Israel Daniel Shapiro, citado pela revista americana Foreign Policy. “Mas penso que seria bom evitar manchar a sua identidade democrática ao aliar-se menos com o clube das democracias e mais com esta coligação muito diferente.”

Outra questão é o crescente anti-semitismo da Hungria, a que Orbán não tem sido alheio. O primeiro-ministro elogiou o líder húngaro aliado da Alemanha nazi Miklós Horthy (“um estadista excepcional”); uma sondagem diz que dois terços dos judeus húngaros reconhecem que há um problema de anti-semitismo no país; Orbán fez uma campanha apresentando o sobrevivente do Holocausto George Soros como alguém que quer destruir a Hungria e os seus valores cristãos, usando imagens como a do banqueiro judeu que quer dominar o mundo – um clássico dos ataques anti-semitas.

Num episódio revelador, o embaixador israelita em Budapeste fez um apelo a Orbán para parar a campanha contra Soros, a pedido da liderança da comunidade judaica da Hungria, incomodada pelo tom anti-semita da campanha. Mas o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel não demorou a desautorizar o diplomata, clarificando num comunicado que Israel também critica Soros.

Soros "põe em perigo os governos eleitos de forma democrático em Israel ao dar verbas a organizações que difamam o Estado judaico e tentam negar o seu direito a defender-se a si próprio”, diz a declaração. Soros financia organizações da sociedade civil que lutam por mais abertura e respeito dos direitos dos palestinianos e árabes israelitas.

Há quem veja aqui um padrão: desvalorizar um certo anti-semitismo em troca de apoio ao Estado de Israel, aponta a Economist. Netanyahu também permitiu uma cláusula numa declaração conjunta com a Polónia (que terminou a polémica sobre uma lei que criminalizava o uso da expressão “campos polacos”) sobre o papel dos polacos no Holocausto que é, segundo o museu Yad Vashem de Jerusalém, “factualmente incorrecta”.

A declaração dos líderes polaco e israelita diz que o governo polaco no exílio na altura da ocupação alemã da Polónia tinha “criado um mecanismo de ajuda sistemática e apoio ao povo judaico”. Os historiadores israelitas dizem não só que o governo no exílio fez pouco pelos judeus, e que a resistência polaca não só não ajudou os judeus, mas por vezes perseguiu-os. O primeiro-ministro israelita “tomou nota”, mas não alterou a declaração. “Algo que parece estranho para Netanyahu”, nota a revista britânica The Economist, já que ele é “filho de um historiador”.

Aliados numa UE crítica

Mas Netanyahu tem um interesse especial em manter boas relações com a Polónia – e com a Hungria também. Numa União Europeia muitas vezes crítica de Israel (que chama a atenção para a existência de colonatos judaicos em território ocupado, etc.), estes países não partilham estas posições. Netanyahu, diz a Economist, vê o chamado Grupo de Visegrado – Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia – como os seus principais aliados na Europa.

A Hungria tem ajudado a evitar decisões contra Israel na União Europeia (o maior parceiro comercial do Estado hebraico), por exemplo na discussão sobre se os produtos importados vindos dos colonatos têm de mencionar a sua origem. Na ONU absteve-se na resolução criticando Trump por reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, e também no pedido da Comissão de Direitos Humanos para ser formada uma comissão de inquérito à violência nos protestos de Gaza, em que militares israelitas mataram mais de 130 pessoas acusando-as de tentar passar para Israel para levar a cabo ataques (nenhuma conseguiu passar).

Responsáveis e comentadores defendem o direito de Israel ter alianças baseadas em partilhas de valores e outras alianças partilhadas em interesses comuns ou tácticas. “Israel não tem muitas vezes escolha a não ser manter ligações com regimes desagradáveis ou autoritários”, disse Jonathan Schanzer, vice-presidente da Fundação para a Defesa das Democracias, à agência noticiosa JTA (Jewish Telegraphic Agency). “Este tipo de alianças não devem ser confundidas com a que existe com os EUA, assente em valores.”

Críticos desta política do Estado hebraico – como o jornalista do Ha’aretz Chemi Shalev – notam algumas semelhanças entre a Hungria de Orbán e Israel de Netanyahu. “Ambos desejam um iliberalismo etnocêntrico. Ambos partilham um desdém em relação a valores liberais, especialmente os admirados pela grande maioria dos judeus americanos. Ambos agitam contra imigrantes. Ambos são inimigos figadais da imprensa livre. Ambos têm uma afinidade com Putin e ambos têm ligado o destino dos seus países a Donald Trump”.

De Wilders a Salvini

Esta tendência de aliança entre partidos populistas europeus já começou há muitos anos, quando em 2008 o político anti-islão holandês Geert Wilders visitou Israel meses depois de ter provocado polémica com o seu filme Fitna. A relação teve os seus altos e baixos, mas Wilders foi apenas um de vários líderes a mostrar anti-semitismo tendo ao mesmo tempo uma posição pró-Israel, justificada pelo que consideram ser uma ameaça comum: o islão.

Outros líderes de partidos de direita racista, xenófoba, anti-imigração ou populista da Europa têm visitado Israel, embora nem sempre tenham sido recebidos pelo Governo – em 2011, Filip Dewinter, antigo líder do partido belga Vlaams Belang, que questionou a extensão do Holocausto e glorificou os nazis; em 2016, Heinz-Christian Strache do austríaco FPÖ, partido que não tem conseguido negar convincentemente acusações de glorificação do nazismo e anti-semitismo; no mesmo ano, o líder da italiana Liga, Matteo Salvini. Tanto Strache como Salvini fazem hoje parte das coligações no Governo na Áustria e em Itália.

O contexto hoje é diferente do de 2008, quando Wilders fez a sua visita, sublinha o antigo embaixador Shapiro: “Uma onde de iliberalismo ameaça o mundo democrático, da América à Europa passando também por Israel – e assim, pode haver tentações de alinhar com aqueles que parecem estar a subir: Trump, Putin, Orbán, Duterte” (o Presidente das Filipinas também vai visitar Israel). “O próprio distanciamento de Trump dos seus aliados democráticos e as expressões de apoio a autocratas encorajam, sem dúvida, esta tendência.”

O jornalista do Ha’aretz Anshel Pfeffer, que esteve na Hungria para uma série de artigos sobre Orbán, conta o que um rabino lhe disse: “O mundo está a tornar-se um lugar menos liberal, um lugar onde os que não são judeus estão a esquecer o Holocausto. Os judeus precisam de uma estratégia, para não acabarmos outra vez por ser vítimas. Isso quer dizer ser uma nação forte alinhada com outras nações fortes. Não com as vítimas.”

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