Putin deu a Trump o que ele queria. Trump deu-lhe muito mais em troca

A última paragem da visita de Donald Trump à Europa teve, como se previa, mais sorrisos do que as anteriores. Os dois Presidentes obtiveram o que queriam: retomar um diálogo, impossível nos últimos oito anos. Putin só tem a ganhar. Trump tem bastante a perder.

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Kevin Lamarque/REUTERS

“Penso sinceramente que o mundo quer que nos entendamos”: a frase-chave do Presidente americano no encontro com o seu homólogo russo, no Palácio presidencial de Helsínquia. Trump acrescentou uma outra frase que, talvez, Vladimir Putin tenha gostado de ouvir. Os dois repetiram-na na conferência de imprensa final. Os EUA e a Rússia são duas grandes potências nucleares, sem paralelo, repartindo entre si 90% do armamento nuclear do mundo.

O Presidente russo gosta de tudo o que equipare o seu país aos EUA. Trump acrescentou que as armas nucleares eram “uma coisa má”. Putin não comentou. A não-proliferação é o lado mais preocupante desta questão. Na Coreia do Norte, como no Irão.

A questão mais “quente”, a interferência da Rússia nas eleições americanas, foi ganha em toda a linha pelo Presidente russo. Trump acredita nele, quando o seu homólogo russo insiste veementemente que nunca interferiu em nada. As últimas acusações contra 12 membros dos serviços secretos russos, divulgadas na sexta-feira em Washington, não chegaram na melhor altura.

Trump não hesitou sobre a sua confiança na sinceridade de Putin. Demasiado ingénuo? Demasiado comprometido? As reacções em Washington foram imediatamente muito negativas. O Speaker da Câmara dos Representantes, o republicano Paul Ryan, disse que o Presidente tem de perceber que “a Rússia não é um aliado dos EUA”. 

Putin apenas confessou candidamente que “apenas queria que Trump ganhasse”, porque era o candidato que melhor defendia uma boa relação com Rússia. Tinha razão. Mas a questão continua a tocar os nervos de muita gente, incluindo do Partido Republicano. Diz respeito ao funcionamento da democracia. Era uma espécie de teste para Trump, que ele não passou.

A cimeira que queria?

Mas o Presidente americano teve, provavelmente, a cimeira que pretendia: um ambiente cordial entre dois líderes sem grande dificuldade em entender-se e o recomeço de um “diálogo bilateral”, interrompido há quase oito anos, que ambos dizem ser fundamental para lidar com os grandes problemas mundiais.

Durante quase oito anos as relações entre os dois países foram “as piores de sempre” disse Trump. De quem foi a culpa? Não tem qualquer dúvida: atribui-a “à loucura e à estupidez” das anteriores administrações americanas, mesmo que tenha acrescentado que cabem aos dois lados. Usou a mesma fórmula de Bruxelas: bastaram quatro horas para pôr fim à má relação e iniciar um caminho de cooperação. Em Bruxelas, foram dois dias para transformar a NATO de uma organização fraca e dividida, numa outra unida e forte.

Quem cedeu a quem? Nenhum dos dois entrou em pormenores, mesmo que Putin tenha sido mais “taxativo” em algumas questões particularmente melindrosas. Ontem, ninguém ouviu do Presidente americano a palavra “inimigo” dirigida ao seu parceiro russo. Tinha-a utilizado na véspera, numa entrevista à CBS, para qualificar a União Europeia, indo muito mais longe do que qualquer Presidente americano de que há memória.

Quando o entrevistador lhe perguntou quem era o principal inimigo do seu país, não hesitou em dizer aquilo que ninguém esperava: antes da China ou da Rússia, mencionou a União Europeia, pelo menos no que diz respeito ao comércio. Repetiu a sua nova tese, segundo a qual a União existe para tirar vantagem dos EUA. “Creio que a União Europeia é um inimigo, por aquilo que nos fazem no comércio. Você não teria pensado, que fosse esta [a resposta], mas eles são um inimigo”. Se pudesse haver alguma dúvida sobre o "apreço" de Putin por Trump, a partir desta visita à Europa, ela desapareceu.

“Putin não tinha nada a perder e tudo a ganhar”, escreve o diário conservador alemão Handelsblatt. Acrescenta: “Trump corre o risco de legitimar mais um ditador, premiando-o com o seu tempo, mas não com as suas críticas”. “Ainda no Handelsblatt, “Putin tem uma longa visão da História europeia, Trump chega com dificuldade ao tempo em que iniciou o seu mandato.”

Crimeia tema encerrado

O encontro não impediu o Presidente russo de dizer que a “Crimeia é assunto encerrado”. Trump não retorquiu. Foi o próprio Putin a dizer que Trump não estava de acordo. Putin defendeu o acordo nuclear com Teerão, argumentando que é o país mais escrutinado do mundo em matéria nuclear, não dando sinais de tencionar abandoná-lo.

Na Síria, o Presidente americano também não deu qualquer sinal de estar incomodado com o papel da Rússia no conflito, que salvou o regime de Damasco e provocou uma catástrofe humanitária de dimensões incalculáveis. Disse apenas que os militares russos e americanos cooperavam bem no terreno, lembrou o aniquilamento do Daesh, pôs a tónica, como Putin, na cooperação no domínio humanitários.Talvez um bocado tarde.

Resultados concretos não houve nesta cimeira e, provavelmente, não poderia haver. Foram apenas os primeiros passos de uma relação bilateral que “tem um caminho pela frente”. Mesmo assim, o guião serviu ao Presidente americano para provar que tem um amigo no Kremlin, o que já não pode dizer de outros líderes europeus, com os quais entrou em ruptura em Bruxelas, na cimeira da NATO, e em Londres, durante uma visita ao Reino Unido.

Não se sabia ontem se teria havido algum sinal de novas negociações dos tratados de redução dos arsenais nuclear dos dois países. Dizem os especialistas que renovar esses tratados até poderia fazer sentido. Referem-se aos arsenais do passado. Chamam, no entanto, a atenção para que os EUA estão a desenvolver um novo tipo de armas nucleares - mais pequenas e mais utilizáveis. Não se sabe se os russos estão a fazer o mesmo.

Também se percebeu que a crise ucraniana só dificilmente será motivo para futura cooperação. Trump decidiu reforçar militarmente o Governo de Kiev. Putin não gostou. O Presidente russo diz que é Kiev que não quer cumprir os acordos de Minsk. A Europa diz o contrário.

Putin chegou a Helsínquia com o prestígio de um Mundial de futebol de organização impecável. Melhorou a sua imagem no mundo. No último dia teve com ele três líderes europeus para assistir à final. O Presidente francês classificou a organização de “simplesmente perfeita” e a sua homóloga croata, apesar da derrota, desfez-se em simpatia. Teve um outro convidado, que já não precisa de conquistar: o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, que tratou de defender o fim das sanções da União Europeia à Rússia.

A ideia de Putin é convencer os governos europeus de que a Rússia é “o aliado natural da Europa”. Até agora, não tem sido eficaz. Em Berlim, Paris, Londres e noutras capitais, a Rússia é vista como a maior ameaça à segurança europeia. “Como disse Ryan, “não é obviamente um aliado”.

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