O incipiente debate público e político sobre pensões em Portugal
Há pouca reflexão e discussão séria sobre as razões estruturais para o inevitável aumento do peso da despesa em cuidados de saúde.
Apesar da importância do desafio estrutural que representa para a sociedade portuguesa nas próximas décadas, a discussão sobre o impacto económico e social do envelhecimento da população em Portugal tem estado, nos últimos tempos, adormecida. Um sinal: há três anos, o Ageing Report, o Relatório sobre o Envelhecimento da Comissão Europeia (mas preparado com contributos das autoridades nacionais), a principal fonte de projeções de longo prazo nesta matéria, teve bastante atenção nos media. Já a mais recente atualização, publicada no último mês de maio, passou essencialmente despercebida.
A significativa atenção mediática e discussão política de que o Serviço Nacional de Saúde tem sido alvo é outro exemplo importante. Muito “ruído” e muito pouca reflexão e discussão séria sobre as razões estruturais para o inevitável aumento do peso da despesa em cuidados de saúde na economia, uma discussão para a qual os problemas que têm emergido na Saúde deveriam remeter.
No outro tema fundamental relacionado com o envelhecimento, a Segurança Social e as pensões de velhice em particular, o silêncio é ainda mais ensurdecedor. Apesar de algumas iniciativas recentes (p. ex. as animadas pelo Conselho Económico e Social), a atenção pública e política ao tema tem sido nula. Embora as novas projeções do Ageing Report não sejam motivo para alarme, pois vêm reforçar as perspetivas de sustentabilidade financeira no longo prazo (de várias décadas), ainda assim, não dissipam as dúvidas sobre a adequação das pensões públicas, nem sobre a justiça dos sacrifícios envolvidos nesse resultado de sustentabilidade, no tempo que demorará até as reformas realizadas terem pleno efeito. Este debate permanece por realizar.
Mas antes mesmo deste silêncio, mais recente, a discussão sobre este tema no nosso país, nos últimos largos anos, não tem sido satisfatória. Num policy paper recentemente publicado pelo Institute of Public Policy, apresentamos sinteticamente uma visão algo crítica sobre o estado atual do debate público e político sobre o sistema de pensões em Portugal. Persistem fortes dissensões não só ao nível político, mas também ao nível técnico, sobre o diagnóstico dos equilíbrios financeiros a curto, médio e longo prazo do sistema, e sobre a forma como lidar com uma certa herança social, isto é, o pleno cumprimento dos compromissos assumidos na Segurança Social e – é importante não esquecer – na Caixa Geral de aposentações. Quer os setores mais à “esquerda”, quer os mais à “direita”, têm contribuído para a persistência destas dificuldades no debate, persistindo nalguns vícios argumentativos e imprecisões conceptuais. Seguem-se alguns exemplos.
A “esquerda”, na discussão do tema, levanta amiúde o problema da evasão/elisão contributiva. Mas o impacto na receita é reduzido e insuficiente para explicar de forma significativa qualquer tendência global da Segurança Social e do sistema de pensões. O problema destas linhas argumentativas é potencialmente induzir em erro os leitores menos avisados, que poderão ficar com a impressão de que eventuais problemas do sistema se devem apenas à má fé de um conjunto alargado de empresas.
Além disso, segundo algumas posições (mais à “esquerda” mas também à direita) qualquer mexida no valor das pensões quebra “o princípio da solidariedade intergeracional”. Como se este não fosse um valor associado ao compromisso com um sistema no seu todo mas, antes, a ideia de que se aquele quebra se os contribuintes em dado momento não estiverem dispostos a pagar o que for preciso para suportar a pensão prometida aos atuais pensionistas – em vez da pensão justa considerando as contribuições realizadas e os recursos disponíveis numa lógica coerente entre gerações.
Já à direita, alude-se frequentemente à necessidade de mudar o sistema de pensões devido a este não incentivar o esforço dos “melhores”, prejudicando a competitividade. Ora nem a promoção da competitividade faz parte das funções nucleares dos sistemas de pensões, nem estes são instrumentos apropriados ou eficazes para a prossecução desse objetivo, pelo que se observa uma sobrevalorização substancial desta dimensão. Além disso, a componente progressiva (redistributiva) do sistema público de pensões é residual.
Além disso, existe um potencial “conflito de interesses” à espreita: as políticas que têm sido defendidas deste “lado” há muitos anos, para a implementação de um regime, pelo menos complementar (mais recentemente), de capitalização no sistema de pensões, têm algum alinhamento de incentivos com o setor financeiro (i.e., bancos e seguradoras), dado o potencial crescimento do mercado que tal aumento representaria para estas.
A conclusão geral é que o debate tem sido incipiente e inconsequente. Isto contribui para a reduzida compreensão pelos cidadãos sobre o funcionamento e desafios do sistema, e para decisões políticas menos transparentes que parecem privilegiar o grandfathering, isto é, o impacto muito gradual de novas regras mais restritivas, resultando na prática em cortes nas pensões a atribuir no futuro, por oposição a ajustamentos estruturais com impactos mais imediatos, via pensões ou contribuições.
Mas a consequência mais grave é a ausência de estudos quantitativos recentes que sejam reconhecidos como independentes e isentos (aceites junto das diversas correntes de opinião), e estabeleçam um diagnóstico claro (que clarifique as consequências dos desafios demográficos e económicos num cenário de políticas invariantes). Falta um diagnóstico que vá além dos grandes agregados demográficos e económicos e analise as atuais responsabilidades do sistema compreendendo-se assim o que se perspetiva para o futuro. Em qualquer caso, os dados e estudos existentes deixam antever importantes desafios para os sistemas de pensões, apesar das reformas já implementadas.