Azure, um festival na ilha da festa

Nos Açores, brinca-se: há oito ilhas e um parque de diversões. A Terceira, ilha que vive em festa, recebe o Azure, um festival de pequena dimensão entre 13 e 14 de Julho. Começou para dar palco às bandas locais. Ouvia-se muito rock, mas na 11.ª edição Kappa Jotta e Estraca vêm representar o “hip hop tuga”.

Costa, promontório
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Nuno Ferreira Santos
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João Gomes
Luz, escuridão
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Rnata Monteiro

Os Açores estão a atravessar um período de seca “gravíssimo” nos últimos três meses — mas na tarde do primeiro dia do festival Azure, na ilha Terceira, “claro que a chuva tinha de aparecer”. Ela que caia. Os agricultores, que estimaram uma quebra entre 30 a 40 por cento na produção de leite, agradecem a água. E Miguel Linhares, o responsável pelo festival de pequena dimensão em Angra do Heroísmo, ao fim de 11 edições, já aprendeu a desviar-se dela. 

“Vamos recuar quase 15 anos”, propõe-nos o presidente da associação Jaçor - Juventude dos Açores, numa “rara” pausa no fim-de-semana do Azure, que traz pela primeira vez aos Açores dois nomes emergentes do “hip hop tuga”: Kappa Jotta e, na noite de sábado, 14 de Julho, o rap crítico de Estraca

Em 2003, três amigos de infância de Angra, músicos amadores, começavam a “desenhar no papel o projecto de um festival de música alternativa”, na altura com mais nomes do rock português. “Alguém precisava de arranjar um palco para as bandas dos Açores”, diz. De organizar um evento para os grupos da ilha, onde “quase toda a gente sabe tocar um instrumento, (…) se mostrarem”. Brincamos: “Tiveste de criar um festival para conseguires pôr a tua banda a tocar em algum sítio?” O vocalista dos Manifesto ri-se. “Só actuamos no ano passado e só porque fazíamos 20 anos, o festival dez e eu já não aguentava mais tantos pedidos”, responde-nos, sarcástico.

Ao mesmo tempo, urgia “trazer à ilha outros artistas que não têm lugar nas festas grandes dos concelhos”, como as Sanjoaninas — as principais festas populares terceirences e uma das maiores no arquipélago. “Queríamos ver outros para além dos mesmos músicos que vão a todo o lado, todos os anos, que aparecem nos tops e nas televisões”, descreve. 

Na altura, as câmaras de Praia e de Angra não se mostraram logo totalmente convencidas. “Tínhamos 20 e poucos anos, acho que não nos levaram muito a sério no início.” Mas conseguiram pôr “alguma coisa de pé” em Setembro de 2006, nos Biscoitos, uma freguesia vinícola, na costa nordeste da ilha, conhecida pela concorrida zona balnear onde o Atlântico se acalma e forma piscinas naturais azuis que contrastam com o negro do basalto. Foi aí, numa zona chamada Abismo, em parceria com o dono de uma discoteca, que aconteceu “um festivalzinho”, com o mesmo nome profundo do local onde decorreu. Ao Abismo veio o rock dos Peste & Sida e dos M.A.U. Numa ilha com 55.000 habitantes, que na altura “não tinha nenhum evento semelhante”, Miguel recorda-se de se terem juntado ali “à volta de 2000 pessoas”.

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Renata Monteiro

O Azure começava oficialmente um ano depois, na zona de lazer São Brás. “Uma localização mítica” — “lindíssima” —, ouvimos repetir-se esta sexta-feira, 13, vezes sem conta, da boca de quem agora segue a música até à freguesia de Santa Bárbara, onde o festival se realiza há quatro anos.

Imagine-se: em São Brás, um dos palcos ficava numa zona funda, onde no Inverno corre uma ribeira. Havia umas escadas de acesso e a natureza formava um anfiteatro natural, revestido do verde das criptómerias dos Açores. “Eram outros tempos, as licenças de ruído eram diferentes e nós chegávamos a estar lá até às 14h de domingo.”

Mas o espaço era grande de mais e, se o facto de não ter nada à volta o tornava idílico para o público, contribuía também para uma grande dor de cabeça para a pequena equipa e meios escassos da logística. E depois, o clima: longe do mar, a 200 metros de altitude, “o tempo estava quase sempre terrível”. Já se sabe: “Nos Açores, em seis quilómetros tens sol de um lado e vendaval do outro.” Calhava sempre àquela zona, em dias de festival, o vendaval, a chuva, as tendas a voar e os palcos a colapsarem. As pessoas “não saíam de casa para isto”. Apesar da “saudade que a localização ainda deixa”, voltaram a mudar-se.

Do concelho de Praia da Vitória, assentaram no município de Angra do Heroísmo, um dos principais patrocinadores do festival. Na edição de 2015, depois de uma pausa de um ano por falta de verbas e um regresso com um cartaz reduzido para dois dias, veio o B Fachada à Terceira. “Não correu muito bem. Ele já é alternativo demais”, brinca Miguel. “E foi assim que viemos aqui parar a este sítio, onde a casa mais próxima fica a 200 metros e o mar engole a maior parte do som e dá uma vista tremenda”, declara Miguel. Pelo caminho foi o único dos três amigos que ainda se mantém na organização do projecto, que nesta edição contou com a ajuda de uma equipa de 20 pessoas, metade das quais voluntários.

Para atrair outras faixas etárias, o festival volta a trazer a Festa dos Trintões e os R.A.M. Rock After Midnight, uma banda local de rock.

Pelo trajecto, foi-se também perdendo uma das “ideologias que serviu de base” ao festival: “a reutilização e reciclagem de materiais”, antes e durante os dois dias de festa — o Azure ainda não deixou os copos plásticos descartáveis e não se encontram ecopontos perto, por exemplo. 

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Com a saída de Paulo Sousa, um dos fundadores, essa imagem, “que dava muita cor ao recinto”, esbateu-se.

Este deverá ser o ano em que se “nota menos” a presença artística do artista plástico e designer e de outros voluntários que eram encorajados a trabalhar com madeiras, tintas, peças de electrodomésticos, tubos, fitas de cassete, ou a recolher 25.000 garrafas de plástico que originaram o principal quiosque do festival. “Damos sempre largas a quem se quiser juntar e criar coisas. Se não pudermos comprar novo, mas conseguirmos reutilizar uma coisa que à partida seria lixo, nós vamos fazer isso”, atira Linhares, em jeito de desafio. Até porque o “orçamento é curto”.

Oito ilhas e um parque de diversões

O festival já durou três noites e abrangia na programação actividades durante o dia, como workshops de DJ, bateria, limpeza da orla costeira, sessões de meditação ou passeios de geocaching. A participação dos habitantes da ilha começou a “decrescer”, diz Miguel, e agora, o primeiro concerto começa já depois da meia-noite. Antes, só se ouvem os cagarros, a ave mais conhecida dos açorianos. O recinto só atinge o maior número de pessoas — que na noite passada não terá chegado às 300, um “número muito baixo”, comenta — a partir das 2h00.

“Aqui as pessoas saem muito tarde de casa”, explica, “gostam muito de festa”. Nos meses mais quentes, floresce um palco por cada localidade da “ilha lilás” — cortesia dos arbustos gigantes de hortênsias. “É como já te fartaste de ouvir: os Açores são oito ilhas e um parque de diversões.” A Terceira, a ilha da festa.

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Renata Monteiro

“Começámos, nos últimos dois anos, a receber gerações novas. O que é normal, já se passaram 12 anos, as pessoas também deixam de vir. Agora, a média de idades está nos 17”, analisa Miguel. Ainda no ano passado, um rapaz lhe agradeceu a vinda de Slow J com um “salvaste o meu Verão”. “Mas devias trazer o Xinobi.” Ao que ele respondeu: “Eu já o trouxe, em 2008.” “Oh, aí eu tinha sete anos!”

Miguel Linhares volta a ficar mais sério. “A minha vida está a mudar e gostava de passar isto a outra pessoa, porque também não sou assim tão jovem quanto isso”, diz, a dois meses de chegar aos 40. “Acho que quem devia estar à frente agora devia ser alguém mais novo do que eu, com mais sangue na guelra, como se costuma dizer.” 

Rodrigo Azevedo desata a rir-se com a indicação, pouco subtil, da pancada nas costas que levou de Miguel. “Tu já quase mandas aqui”, disse o chefe da organização ao director de palco de 26 anos, que começou a estar ligado ao festival aos 16. “Fui pela primeira vez ao festival ver os Kalashnikov, em 2008 [banda satírica de Jel que, na noite de 13 de Julho, se voltou a reunir para um concerto no palco comédia do NOS Alive]." Um ano depois estava a “ajudar a levantar o festival”. Que é como quem diz, “pregar tábuas” e acartar tudo o que lhe pusessem nas mãos. Foi um dos mais jovens a integrar a organização do festival e lamenta que, numa ilha “onde pouco acontece”, os jovens “não liguem ao associativismo” e não “sintam a responsabilidade de também fazer acontecer”. “Mas, se calhar, também pensavam isso de mim na altura”, ri-se o jovem licenciado em Gestão.

Não desconsidera tomar as rédeas do festival “que teve um percurso muito atribulado”, mas que ainda cá está. “Temos poucos apoios e as respostas chegam muito tarde; as empresas locais também são muito pequenas para darem bons patrocínios e precisamos de aumentar a equipa.” Se mandasse, Rodrigo preferia trazer mais nomes do heavy metal, o género musical que o fez sair dos Açores já três vezes este ano, rumo ao Altice Arena, em Lisboa. “Mas eu sei que isso é impossível aqui”, ri-se. Foi ele que sugeriu Carlos Guedes Estraca, o rapper de 20 anos que, depois de actuar esta noite, 14 de Julho, na Terceira, segue para o Marés Vivas e para o MEO Sudoeste.

“Na maior parte do ano é muito difícil ver concertos aqui”, admite o vice-presidente da associação juvenil que não esquece a passagem de Scorpion e Extreme pelas festas da Praia. “Mas se para termos as coisas boas dos Açores é preciso ir ver um concerto lá fora, então que seja.”

O P3 viajou a convite do festival Azure

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