Cuba prepara-se para fazer a revolução da propriedade privada
Regime comunista prepara nova Constituição e também inclui no texto a proibição de discriminação com base na identidade de género, etnia e deficiência. Criação do cargo de primeiro-ministro é outra novidade.
Três meses depois de ter eleito um Presidente que não faz parte do clã Castro, nem pertence à “geração histórica” que conduziu a Revolução de 1959, Cuba prepara-se para dar mais um importante passo no seu caminho muito próprio de transição política. O regime agora liderado por Miguel Díaz-Canel vai aprovar uma nova e ambiciosa Constituição, cujo principal linha condutora assenta no reconhecimento da propriedade privada. Uma medida sem precedentes na ilha comunista, que confirma a vontade de abertura de um país a necessitar de estimular a sua economia e de se abrir ao mundo.
Num artigo intitulado “Visão para o presente e o futuro da Pátria”, o Granma, órgão oficial do Partido Comunista de Cuba (PCC), apresentou as traves mestras e as principais novidades do novo texto. Nelas sobressaem ainda a criação do cargo de primeiro-ministro – que conduzirá o Conselho de Ministros, ao invés do Presidente, que apenas conduzirá o Conselho de Estado –, o estabelecimento de um limite de dois mandatos presidenciais consecutivos e a proibição constitucional da discriminação com base na identidade de género, na etnia e na deficiência – esta última perspectivando uma possível legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Os destinos de Cuba, esses, continuarão firmemente ligados à liderança única do PCC na nova lei fundamental cubana. “A força dirigente superior da sociedade e do Estado”, enfatiza o Granma.
A “validação” da propriedade privada é um marco histórico num país que durante as últimas seis décadas anos admitiu pouco mais do que a propriedade do Estado ou a de associações e cooperativas agrícolas, operárias e estudantis.
Mesmo que sujeito a um regime especial, que estabelece, por exemplo, limites à sua cedência e dá ao Estado o direito de preferência numa futura transacção, este reconhecimento faz parte do que parece ser uma estratégia de diversificação e liberalização da economia cubana que, de acordo com os analistas, necessita de um crescimento anual de 5% e de uma injecção de capitais de cerca de 2500 milhões de dólares por ano, para ultrapassar a situação de estagnação em que se encontra.
Estratégia essa que, escreve o Granma, também contempla a “importância do investimento estrangeiro para o desenvolvimento económico do país, com as devidas garantias”.
Ainda que no papel estas alterações Constituição de 1976 apontem para uma mudança de paradigma, ainda é cedo para se perceber qual o real impacto das mesmas no modelo de economia planificada de Cuba. Até porque o PCC reafirma o “carácter socialista do seu sistema político, económico e social” e promete “não abandonar o legado de [José] Martí e a doutrina marxista-leninista”.
À Reuters, o analista Luis Carlos Battista, do Center for Democracy in the Americas, diz que o reconhecimento da propriedade privada não significa necessariamente um protagonismo maior para a iniciativa privada ou estrangeira em Cuba. Até porque, sublinha, o Governo tem vindo a aprovar legislação para aumentar o controlo sobre os trabalhadores independentes e facilitar a confiscação de propriedade não-estatal.
Os 244 artigos que compõem o esboço da nova Constituição foram redigidos por uma comissão propositadamente designada para o efeito, presidida pelo ex-Presidente e actual primeiro secretário do Comité Central do PCC, Raúl Castro, e que também incluiu o seu sucessor na chefia do Estado, Díaz-Canel.
De acordo com o jornal do regime, a decisão de avançar para uma nova lei fundamental teve em conta um pedido expresso do irmão mais novo de Fidel, em 2012, de se “deixar para trás o lastro da velha mentalidade e forjar, com intencionalidade transformadora e muita sensibilidade política, uma visão para o presente e o futuro da Pátria”.
O texto será apresentado e discutido na Assembleia Nacional do Poder Popular de Cuba, entre os dias 21 e 23 deste mês e, depois de aprovado – os deputados eleitos em Abril foram todos indicados pelo PCC – será objecto de um referendo nacional.