Criticar, negar, aplaudir – Trump no Reino Unido com a estratégia do costume
Presidente dos EUA arrasou a solução de May para o “Brexit” numa entrevista que depois disse ser fake news. Porque, garantiu, a relação especial Washington/Londres está ao “mais alto nível”. Milhares protestaram nas ruas.
No Reino Unido como na NATO. De visita ao Reino Unido, Donald Trump apostou na mesma estratégia que usou na cimeira da Aliança Atlântica, em Bruxelas – primeiro lançar o pânico, com condenações e ameaças, para depois acalmar as hostes com promessas de lealdade e compromisso. Desta vez, porém, o Presidente dos Estados Unidos foi mais longe na aplicação do seu método, ao declarar-se vítima de fake news (notícias falsas), na sequência de uma entrevista explosiva que deu ao Sun e em que arrasou a solução de Theresa May para o “Brexit” e prenunciou a impossibilidade de um acordo comercial entre Washington e Londres.
Contrariando as suas próprias declarações ao tablóide britânico, publicadas na manhã desta sexta-feira, Trump garantiu à tarde ter feito uma série de comentários positivos sobre a primeira-ministra britânica, que o Sun decidiu não publicar. “Deviam ter posto isso no título”, rematou numa conferência de imprensa conjunta com May, negando liminarmente ter criticado a chefe do executivo. “[May] é uma mulher fantástica. Está a fazer um trabalho formidável e o ‘Brexit’ é uma situação muito complicada”, disse depois da reunião em Chequers, a residência de campo dos primeiro-ministros britânicos.
Ao lado da primeira-ministra britânica, Trump prosseguiu com as rectificações. Afinal o “soft-Brexit” que May está a negociar com Bruxelas não vai “matar” um compromisso comercial entre EUA e Reino Unido, como tinha dito ao Sun, nem beliscar a “relação especial” Londres/Washington que entende estar no “mais alto nível”. O "Brexit" é, sim, uma “oportunidade incrível”, que será “plenamente aproveitada” pelos dois países.
“Não sei o que é que [o Reino Unido] vai fazer, mas o que quer que faça está bem para mim. A decisão é deles. Só peço que garantam que podemos fazer trocas comerciais, que é a única coisa que importa”, disse.
Questionado sobre os elogios a Boris Johnson – o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros britânico que se demitiu em choque com May e a sua proposta de saída da UE não em ruptura total mas com acordos –, Trump disse que se limitou a responder a uma pergunta sobre quem poderia ser um bom primeiro-ministro.
Os dois dirigentes trocaram louvores, elogios e sorrisos, num ambiente de fraternização em tudo contrastante com o que se vivia, à mesma hora, nas ruas de várias cidades do país, com Londres, Manchester ou Glasgow entupidas por dezenas de milhares de pessoas que se juntaram para protestar contra a presença do Presidente dos EUA.
Trump e May defenderam ambos a necessidade de unir esforços para impedir a proliferação nuclear na Coreia do Norte e no Irão e o norte-americano revelou que a primeira-ministra britânica apoiou desde o início a exigência de mais contribuições aos parceiros da NATO.
May agradeceu ainda o apoio de Trump na resposta ao envenenamento do ex-espião russo em solo britânico com um agente neurotóxico e deu o seu aval ao encontro entre Trump e Vladimir Putin, agendado para segunda-feira em Helsínquia. O Presidente dos EUA prometeu falar com o seu homólogo russo sobre o tema, mas também sobre a Ucrânia, a Síria, a proliferação nuclear e a interferência russa nas eleições presidenciais de 2016.
Os dois destoaram apenas quando desafiados a falar sobre a imigração. Enquanto Trump insistiu que a imigração é “má” e “triste” para a Europa, por “alterar a sua cultura” e por contribuir para o crescimento da ameaça terrorista – já tinha criticado, na entrevista, o “mau trabalho” do presidente da câmara de Londres, Sadiq Khan, no combate ao terrorismo –, May recordou o que o Reino Unido tem um “orgulhoso historial” de acolhimento de imigrantes que têm vontade de contribuir para a economia britânica.
Uma discordância de fundo que, no entanto, em nada perturbou a afirmação de que a “relação especial” está mais sólida do que nunca.
Protestos massivos
Ao mesmo tempo que Trump abandonava a residência de campo da primeira-ministra e se juntava à mulher, Melania, para ir tomar um chá ao Castelo de Windsor com a rainha Isabel II, em Londres gritava-se contra a sua visita.
O centro da capital britânica foi esta sexta-feira o principal palco de um conjunto alargado de protestos organizados por todo o Reino Unido. O pontapé do dia de protesto foi dado com o lançamento, em frente ao Parlamento britânico, de um balão gigante que caricaturava o Presidente americano sob a forma de um bebé.
Segundo os organizadores da marcha anti-Trump, aderiram ao protesto de Londres cerca de 250 mil pessoas. Houve cânticos, gritos, máscaras e cartazes provocadores. E figuras conhecidas da política britânica, como Jeremy Corbyn, Ed Miliband ou Nick Clegg, estiveram lá.
O antigo líder do Partido Trabalhista justificou a sua participação no protesto através do Twitter, escrevendo: "Os valores de Trump não são os nossos valores”. “O seu racismo, misoginia, ataques aos valores democráticos, procuram legitimar políticas autoritárias que são profundamente perigosas e ameaçadoras para as nossas sociedades”, considerou Ed Miliband.
O antigo líder dos Liberais-Democratas, Nick Clegg, também recorreu às redes sociais para criticar o Presidente dos EUA: “Donald Trump tem todo o direito a visitar [o Reino Unido]. Nós temos todo o direito a dizer o quanto ele está errado”.