Ronaldo, o incrível

Ronaldo provou o que Messi ainda não fez, que é capaz de jogar em diferentes países, adaptar-se a ligas com características diferentes, integrar-se em equipas distintas e transformar as suas características.

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LUSA/RODRIGO JIMENENZ

Cristiano Ronaldo ou Messi? Quem é o melhor jogador de futebol do mundo? Uma resposta complexa a uma pergunta provavelmente sem nexo. É sem nexo porque é injusto destacar uma individualidade num jogo colectivo e esquecer os contributos de todos os que constituem um grupo. Aliás, a riqueza de uma equipa de futebol é precisamente a de conciliar um conjunto de personalidades e potenciar o melhor das características individuais como forma de aumentar a força de um colectivo.

Contudo, o debate em torno de quem é o melhor jogador de futebol do mundo faz correr tinta nos jornais, fomenta debates televisivos e conversas entre amigos. E facilmente se encontram considerações e juízos sobre o aspecto físico, sobre as vidas pessoais ou traços da personalidade dos jogadores.

Ronaldo tem características futebolísticas diferentes de Messi. Mas há, entre as diferenças, duas que os distinguem indubitavelmente. Ronaldo não foi sempre o mesmo jogador, Messi foi sempre o que ainda é; e Ronaldo provou o que Messi ainda não fez, que é capaz de jogar em diferentes países, adaptar-se a ligas com características diferentes, integrar-se em equipas distintas, e transformar as suas características.

Ronaldo é um produto da formação do Sporting e Messi um produto da cantera do Barcelona. No entanto, Messi viveu sempre protegido por uma equipa que foi produto de um investimento de décadas, e que possibilitou a criação de uma das equipas com o futebol mais atractivo e eficaz que tivemos o privilégio de assistir — a equipa do tiki-taka — e Messi beneficiou largamente de jogadores como Xavi, Iniesta, Fábregas e do carisma de Puyol. Mas o futebol evolui muito rapidamente e bastam alguns anos para que também as melhores estratégias sejam desmontadas. As estratégias são desmontadas porque são minuciosamente estudadas por peritos e equipas técnicas, e porque os jogadores envelhecem e as gerações “de oiro” vão-se desintegrando. É substituí-los não é fácil.

Ronaldo nunca se acomodou, não ficou na “casa da família”. Quando mesmo no Manchester United teve um dos melhores treinadores da história do futebol — Alex Ferguson —, onde ainda jovem era ao mesmo tempo uma grande promessa e já um ícone do clube, isso não chegou para se acomodar. Ronaldo era no Manchester United um velocista e um driblador, um jogador com um remate forte e colocado, exímio na marcação de livres. A isto somava-se uma estrutura forte do clube e uma massa associativa incrível.

O Manchester United não era, nem é, um clube modesto. Ronaldo poderia ter jogado lá toda a sua carreira, e certamente seria pago a “peso de ouro”, seria a jóia da coroa por longos anos. Mas decidiu deixar para trás tudo o que conquistou, principalmente o estatuto que beneficiava e a protecção de uma estrutura interna forte. Decidiu mudar para o Real Madrid numa das transferências mais caras da história do futebol. Decidiu mudar para um clube que não tem uma estrutura que protege os atletas, profundamente direccionado para o marketing e sem grandes preocupações com a cantera. Ronaldo muda para o Real Madrid quando o Barcelona já se afirmara como uma equipa praticamente imbatível. Ronaldo foi, entre 2009 e 2018, o timoneiro do Real Madrid, liderou a equipa que ao longo deste período nunca teve a coesão nem a estabilidade da equipa do Barcelona. Ronaldo somou títulos colectivos e individuais, e bateu todas as marcas possíveis, sendo hoje o melhor marcador de todos os tempos do Real Madrid, à frente de Di Stefano e Puskas. Mais do que isso, Ronaldo adaptou-se à La Liga, abandonou o estilo velocista e driblador, transformou-se num jogador mais pragmático e letal, percebeu que as equipas na liga espanhola privilegiam a posse de bola e a pressão, ao contrário das equipas da liga inglesa que apostam num jogo em profundidade. Ronaldo fez o impossível no Real Madrid a vários níveis, tanto colectiva como individualmente.

E, de repente, quando toda a gente julgava que Ronaldo ou ficaria toda a sua carreira no Real Madrid ou seria entretanto contratado por algum sultão para viver tranquilamente entre a admiração dos adeptos, Ronaldo muda-se para a Juventus e para um campeonato que é reconhecidamente o mais táctico de todos, extremamente exigente e desgastante. Aos 33 anos, Ronaldo não escolheu o mais fácil, escolheu o que sempre o caracterizou, um desafio. Um desafio que o obrigará a transformar-se e a adaptar-se, e nesta idade é preciso ter coragem.

Quanto a Messi, o tiki-taka entrou em crise, Xavi já foi, Puyol também, e Iniesta está para ir. Sobra o Messi e a sua carreira futebolística contar-se-á sempre no Barcelona FC. E, enquanto o futebol evoluiu, ele manteve-se o herdeiro de uma estratégia futebolística, de uma equipa incrível. São estas as diferenças entre Messi e Ronaldo. Prefiro o Ronaldo e não é apenas por ser português. Quanto à pergunta, quem é o melhor, decidam vocês.

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