Venda de imóveis de 670 milhões entregue a empresa de ex-assessora de Ricardo Salgado

Donos norte-americanos do banco estão a preparar saída de dois terços dos colaboradores do departamento de imobiliário para quem ficar com os activos que foram postos à venda.

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Rita Barosa foi ouvida no âmbito do inquérito parlamentar à queda do BES. NFS - Nuno Ferreira Santos

A espanhola Alantra, gerida em Portugal por Rita Barosa, a ex-assessora de Ricardo Salgado, apanhada no saco azul do GES, é a empresa que o Novo Banco escolheu para encontrar um comprador para a sua carteira imobiliária de quase 700 milhões de euros. O nome da Alantra foi seleccionado por um veículo do Lone Star, aonde o Novo Banco acaba de ir recrutar o gestor alemão Volkert Schmidt para liderar o dossiê que vai implicar a saída de 60 pessoas.

Na segunda-feira 25 de Junho, a meio da manhã, na sede do Novo Banco, os trabalhadores do departamento imobiliário (DGI) foram convocados para uma reunião que, à partida, sabiam que seria sensível. A reunião foi muito concorrida, com participações presenciais e por vídeo-conferências, pois a expectativa era que houvesse uma clarificação sobre o futuro.

Durante o encontro foi comunicado que cerca de dois terços dos 75 trabalhadores do DGI vão ser transferidos para a entidade que vier a adquirir o portefólio que o Novo Banco avalia em 670 milhões de euros.

Fonte próxima da administração chefiada por António Ramalho garante que os números estão ainda por “definir” e confirma que “o objectivo é fazer a venda e assegurar, simultaneamente a integração dos colaboradores que na área de gestão imobiliária acompanham estes activos, mantendo ou superando as suas condições salariais actuais.”

Um quadro que assistiu à reunião contou mais: que foi sugerido que quem chegasse a acordo de rescisão com o Novo Banco teria um contrato de três anos com a entidade compradora do portefólio. O que deixou muitos dos presentes preocupados.

O banco fez-se representar pela directora dos recursos humanos Paula Ferreira Borges, que apareceu ao lado do novo director da área imobiliária, o alemão Volkert Schmidt, que António Ramalho foi recrutar ao seu accionista (com 75%), o grupo Lone Star (um fundo especializado em recuperar imobiliário). Na estrutura orgânica do Novo Banco, Volkert Schmidt tem reporte directo a Jorge Cardoso, o gestor que tem a tutela.

Mesmo antes de ser contratado para o cargo, já Volkert Schmidt era visto a circular livremente pelos corredores da instituição, com poder decisório. Isto, enquanto gestor da Hudson Advisors, a sociedade detida a 100% pelo Lone Star, que António Ramalho encarregou de monitorizar o plano de recuperação do banco, de assessorar a venda da carteira de activos imobiliários. E ainda de lançar a consulta para escolher a empresa que terá de procurar um comprador no mercado internacional para os nove mil imóveis registados do Novo Banco.

E a escolha, validada pela equipa de Ramalho, recaiu sobre a sociedade de investimento espanhola Alantra (ex-N+1). E levantou ruído dentro do Novo Banco. E percebe-se porquê. É que na primeira proposta que fez chegar à Hudson Advisors constava o nome de Rita Barosa, que em Lisboa dirige a filial da Alantra.

Rita Barosa foi braço direito de Amílcar Morais Pires, o ex-CFO, que dirigiu o Departamento Financeiro, de Mercados e Estudos do BES, tendo suspendido as funções em 2012, para integrar o governo de Pedro Passos Coelho, como secretária de Estado da Administração Local e da Reforma Administrativa, do gabinete do ministro Miguel Relvas. Em 2013, Barosa regressou ao BES para ser assessora do ainda presidente Ricardo Salgado.

A 26 de Junho de 2014, quase um mês antes de o BES colapsar, já com Salgado afastado, a família Espírito Santo apresentou uma lista para Comissão Executiva que era presidida por Morais Pires e que integrava Rita Barosa. O Banco de Portugal vetou-a e Barosa acabou por sair do Novo Banco já depois da intervenção em Agosto de 2014. 

Os lugares que ocupou junto dos dois principais rostos do colapso do BES explicam o ruído que a referência a Rita Barosa no dossiê imobiliário levantou dentro do Novo Banco, onde uma fonte do PÚBLICO relatou: “Ficámos espantados quando as alusões a Barosa desapareceram subitamente da documentação da Alantra que passou a ser enviada de Espanha.” Ou seja, ironizou, “alguém deu a volta ao texto e apagaram o nome”.

A tese é rejeitada por outro quadro do Novo Banco próximo da gestão: “Quando a administração soube que a proposta inicial da Alantra mencionava Rita Barosa, participou que ela não poderia constar e requereu que refizessem a proposta exclusivamente com elementos da Alantra Espanha.” E assim aconteceu.

Por seu turno, Rita Barosa, contactada pelo PÚBLICO, deu a sua versão dos acontecimentos: “O meu nome nunca constou de qualquer proposta da Alantra, apenas foi dito que eu chefiava o escritório de Lisboa”. A CEO da Alantra Portugal, a designação que lhe é dada no site da empresa, garante que “desde o primeiro minuto foi a Alantra Corporate que tem sede em Madrid que apresentou as ofertas, como não podia deixar de ser porque é a empresa do grupo especializada em vender portefólios”. Clarificou ainda que “a Hudson Advisors conhecia a Alantra, pois já tinham trabalhado em Espanha, noutras operações.”

Sobre a existência de um eventual conflito de interesses, Rita Barosa revelou um dado: “Sei que o Novo Banco pediu um parecer e que este refere que só existe para quem tenha trabalhado na instituição nos dois ou três últimos anos, não me recordo com precisão”. Ora, refere que, no seu caso, deixou o Novo Banco há quase quatro anos.  

Ao contrário de outros ex-directores do BES, Rita Barosa nunca foi alvo de acções do Banco de Portugal, nem do Ministério Público. No entanto, a comunicação social já avançou que Barosa surge na lista de pagamentos do saco azul do BES, a ES Enterprises, onde a identificam com a designação ‘ES Enterprises - ref PF’ - “Pessoas Físicas” (colaboradores ou consultores externos do próprio GES). E aparece ao lado de Manuel Pinho, o ex-ministro da Economia, administrador do BES, com atribuições de 45.891 euros em 2009 e mais de 158 mil euros em 2007 e 2008.

Contactado, o Novo Banco apenas “confirma que tem em curso um processo de venda de um portefólio de activos imobiliários”, de baixo valor unitário, entre terrenos, casas, escritórios, o que resulta de uma imposição dos compromissos assumidos com a DGcom (autoridade europeia da Concorrência). 

O processo de venda da carteira de activos imobiliários já arrancou, com a Alantra a comunicar ao mercado que a operação está em curso e que o Novo Banco a quer ver concluída no último trimestre de 2018. A grande questão que o dossiê imobiliário suscita é saber a que preço serão vendidos os nove mil imóveis ou a parte que vier a ser colocado no mercado. E que entidade vai encaixar eventuais menos valias.

No entanto, desta vez, e dado que este património não está protegido pelos instrumentos de capital contingente (rede pública de apoio), o Fundo de Resolução, que tem 25% do Novo Banco, não será chamado a “tapar” o buraco, como aconteceu já este ano, quando injectou 790 milhões de euros, o que fez incrementar o défice público de 2018 de 0,5% para 0,9%. Neste momento, os contribuintes nacionais podem dar por perdidos com o BES e o Novo Banco quase nove mil milhões de euros, mas o buraco pode acabar por ser fechado nos onze mil milhões. 

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