Cova da Moura: advogados de polícias querem ver investigadas as testemunhas ouvidas até agora
É uma “estratégia de intimidação”, comentou advogado das vítimas. Testemunha que diz ter sido atingida por shotgun entregou cartuchos como prova. Juíza quis saber se alguém “ou até mesmo advogada” lhe teriam sugerido procurar no local “outras munições” que “não aquela”.
Na tarde de 5 de Fevereiro de 2015 Jailza Sousa, de 33 anos, doméstica, estava à varanda de sua casa na Cova da Moura quando viu agentes fardados da PSP aproximarem-se da esquina da Rua do Moinho. Os agentes revistaram as pessoas e, minutos depois, pelo menos três polícias encostaram Bruno L. à parede, contou no Tribunal de Sintra onde 17 polícias da esquadra de Alfragide estão a ser julgados acusados pelo Ministério Público de vários crimes contra seis jovens, incluindo tortura, racismo e falsificação de auto.
Esta terça-feira foi o segundo dia em que foram ouvidas testemunhas, inquiridas durante mais tempo do que qualquer um dos 17 agentes da PSP, que prestaram declarações em quatro sessões: na semana passada, Bruno L., que foi o motor do caso ao ser levado para a esquadra, depôs durante três horas, e foi o único a ser ouvido; esta terça-feira, foram ouvidas duas testemunhas em quase quatro horas.
Os advogados dos agentes da PSP quiseram extrair certidões para abrir processos às três testemunhas até agora ouvidas por “falsas declarações” ao tribunal. “Estratégia de intimidação", comentou um dos advogados das vítimas, José Fernandes. Os agentes alegam que Bruno L. foi detido depois de atirar uma pedra ao carro da PSP e noutra zona do bairro e que um agente foi forçado a disparar uma shotgun para dispersar uma multidão.
Durante a sessão, a presidente do colectivo de juízes, Ester Pacheco, e o procurador Manuel das Dores, reiteraram várias vezes as mesmas perguntas.
Jailza Sousa viu os polícias a darem pontapés a Bruno L., a abrirem-lhes as pernas e começarem a dar-lhe chapadas. Eram entre as 13h e as 14h. Uma mulher passa e diz “isso não se faz, é abuso”. Um agente disparou e acertou no braço de Jailza. “Disse ‘já morri’.” E depois, “conforme disparou fui para a porta, comecei a gritar, o meu filho levantou-se, eu pus a perna para ele não sair e levei outro tiro na perna.” À segunda vez entrou para casa.
"Porque é que ele disparou para si?”
O procurador do Ministério Público, Manuel das Dores, perguntou: “Porque é que ele disparou para si?” Com a voz embargada, Jailza Sousa respondeu: “Faço essa pergunta a mim todos os dias”, disse. “Antes ia na rua sentia-me segura. Agora vejo polícia e tenho medo.” Jailza Sousa contou que depois do episódio foi resgatar à rua cartuchos que foram disparados da shotgun.
A juíza questionou: “Não há possibilidade, até por sugestão de terceiros e até da sua advogada de, no local, procurar outras munições ou quaisquer munições e haver alguma confusão nessa recolha, isto é, ter recolhido outras munições que não aquela?” Jailza Sousa, ouvida durante duas horas, garantiu: “Não.” Os cartuchos serão os mesmos que terá mostrado ao PÚBLICO na entrevista onde denunciou o caso, a 10 de Fevereiro. A juíza quis saber o que a levou a recolher os cartuchos e porque não chamou o 112. “Eu vi-o (ao agente da shotgun) a apanhar e pensei, 'se ele está a apanhar é porque tem algum objectivo'. Então apanhei.”
Jailza Sousa disse que viu os cartuchos saltar para trás de um carro cinzento que estava encostado a uma parede. Guardou essas provas num jarro sem água até os entregar à advogada dias depois, contou. “Estou a tentar pôr-me no seu lugar e já tenho alguns anos de crime. Porque é que não chamou o 112 e a sua preocupação principal é uma atitude inteligente mas não é comum”, comentou a juíza. “Ninguém está a dizer que não foi baleada. Mas tenho que lhe perguntar: não poderá haver alguma confusão da sua parte, não poderá ter apanhado isto noutra ocasião?”
Ester Pacheco quis ainda saber porque é que não tinha feito um pedido de indemnização pelos danos causados, à semelhança dos seis jovens assistentes, que acusam os polícias de tortura e racismo.
Na sessão foi ainda ouvida Neusa Correia, que diz ter sido atingida no local, pouco depois de Jailza Sousa, por uma bala de borracha, mas de raspão e no nariz, tendo testemunhado a agressão a Bruno L. O julgamento prossegue em Setembro.