Jovens poderão mudar de sexo no registo civil com um atestado
Bloco, PS e PAN vão apresentar uma proposta conjunta de alteração para responder ao pedido de Marcelo Rebelo de Sousa e ultrapassar o veto. Votação deve ficar completa na quinta-feira.
Não é um relatório médico formal como continua a pretender o PSD mas é um documento oficial que responde ao pedido feito por Marcelo Rebelo de Sousa. O Bloco, o PS e o PAN chegaram a acordo para alterar o decreto sobre a autodeterminação da identidade de género, que o Presidente vetou em Maio, introduzindo no diploma uma cláusula que prevê que os jovens entre os 16 e os 18 anos possam mudar o seu género no registo civil com a apresentação de um atestado subscrito por um médico de qualquer especialidade ou um psicólogo, inscritos nas respectivas ordens, em que estes garantem a vontade expressa, inequívoca e esclarecida do ou da jovem para proceder a essa mudança.
Os três partidos entregam nesta quarta-feira uma proposta de alteração conjunta que vai ser discutida e votada na quinta-feira em plenário, de forma a concluir um processo legislativo que dura há mais de dois anos. Querem mexer apenas no artigo sobre o procedimento a fazer junto da conservatória, que passa a prever a existência de um documento que "diga expressamente o que atesta e o que não atesta", descreveu ao PÚBLICO a deputada bloquista Sandra Cunha.
Ou seja, que garanta que o jovem está a fazer a mudança de género na sua documentação por sua vontade expressa, livre, inequívoca e esclarecida, e que não se trata de nenhuma perturbação ou incongruência de identidade de género. Desta forma responde-se à exigência da despatologização, seguindo o que fez no mês passado a Organização Mundial de Saúde, excluindo a disforia de género — termo que descreve as pessoas cuja identidade de género é diferente da atribuída à nascença — da lista de doenças mentais.
Para chegar a este entendimento foi preciso, porém, uma longa negociação. Insistindo na exigência da despatologização, o Bloco começou por defender que bastassem duas testemunhas para atestar a vontade livre do jovem junto do registo civil - como acontece no casamento. Mas no PS houve deputados que preferiam ir ao encontro do pedido de Marcelo - como, aliás, o Parlamento tem feito sempre, mesmo que parcialmente, nestes dois anos. A solução das testemunhas corria o risco de fazer o diploma chumbar no plenário, deitando a perder todo o processo.
O Bloco foi o pivot entre o PS e os activistas trans, conta Sandra Cunha. "É a solução que melhor traduz um equilíbrio para responder ao veto" e às exigências daquela comunidade. E, sendo uma proposta conjunta, "é mais sólida e mais segura".
Na mensagem que enviou ao Parlamento, Marcelo pedia que se incluísse no processo uma "avaliação médica prévia" que ajudasse a consolidar a decisão e que servisse como um juízo clínico inicial para uma cirurgia futura. Sandra Cunha encontra no veto um pró e um contra: "O veto refere explicitamente que não se trata de uma anomalia do foro mental - o que é um avanço -, mas pressupõe que existe sempre uma cirurgia - uma visão ao lado da questão, porque não é obrigatória que a mudança física de sexo aconteça."
O PSD defende a exigência de um relatório elaborado por uma equipa multidisciplinar de sexologia clínica que comprove a disforia de género. Por isso a bancada votou contra o diploma em Abril, mas a deputada Teresa Leal Coelho votou ao lado do PS, Bloco, PEV e PAN. O CDS votou contra e o PCP absteve-se - mas os seus 15 votos acabaram por não ser precisos para que a esquerda conseguisse aprovar o texto por 109 votos a favor e 106 contra. Os comunistas alegaram dúvidas sobre a segurança jurídica da identidade anterior do transexual (que, dizem, é eliminada ao ser mudado também o nome no registo de nascimento), mas o resto da esquerda não vê necessidade de mexer nessa questão. "O número do cartão de cidadão não muda, mantém-se para sempre", por isso a identidade anterior será sempre possível de encontrar, argumenta Sandra Cunha.