“Há filas para tudo”
Malas de três voos diferentes vão ao mesmo tempo para uma só passadeira, os autocarros para levar passageiros do avião ao terminal escasseiam e até há passageiros que levam garrafas de água para não desmaiar no controlo de fronteiras, tanto que é o calor e o número de pessoas que se acumula.
São 7h30 de terça-feira e acaba de aterrar no aeroporto de Lisboa um voo vindo de Zurique. Carminda, acompanhada pelos netos e atolada de bagagem, era uma das passageiras desse voo. Conta que já não é a primeira vez que “até sua” só de pensar que vai ter de embarcar ou desembarcar no aeroporto Humberto Delgado. “Para além da confusão visível, há filas para tudo, tive de esperar não só pelas nossas malas, que julgo que não é normal demorarem tanto, mas também para sair do aeroporto”.
Na situação de Carminda estão muitos outros passageiros que passam pelo aeroporto Humberto Delgado. Uma hora depois de ter saído pelas portas de embarque, Carminda ainda não conseguiu apanhar um táxi. A polícia coordena com gestos os movimentos os carros que se repartem em duas filas, e os passageiros apressam-se a entrar nos automóveis. Quem chega sem malas escolhe não esperar e encaminha-se para o metropolitano.
No caso dos passageiros que usam o aeroporto de Lisboa como porta de entrada para o espaço Schengen, a situação agrava-se. Melissa, cidadã norte-americana de 36 anos, vem com frequência a Portugal por razões pessoais e em trabalho. Nos últimos dois anos, passou pelo aeroporto Humberto Delgado cerca de 50 vezes, em voos vindos de Newark ou Nova Jersey, que geralmente aterram ao início da manhã. “O principal problema que tenho enfrentado são as longas filas de espera para passar pela fronteira. O tempo de espera varia muito, mas já cheguei a esperar duas horas porque existiam apenas dois ou três inspectores para uma fila de várias centenas de pessoas.”
Melissa conta que é especialmente caótico quando há vários voos de países não-Schengen que chegam de uma só vez. “Agora já suponho que vou estar pelo menos uma hora na fila. Certifico-me que tenho sempre água porque quando há várias centenas de pessoas na fila costuma ficar muito quente”, explica ao PÚBLICO, contando ainda que os passageiros que reclamam são principalmente aqueles que visitam Lisboa pela primeira vez. “Aliás, casei em Portugal e avisei logo os meus amigos que vieram dos Estados Unidos para estarem preparados para as longas esperas em Lisboa”, conta Melissa que, de resto, diz notar alguma melhoria nos últimos meses e até considera o aeroporto de Lisboa limpo, com boas lojas e boa comida. “As minhas amigas que vieram para o casamento e que estavam grávidas ou que tinham filhos bebés elogiaram os cuidados que receberam e o facto de terem prioridade em muitas filas”.
“Lisboa está a ter um crescimento enorme e basta olhar para as projecções da TAP com um crescimento de um milhão de passageiros por ano para estimar um crescimento potencial total de 10 milhões de passageiros nos próximos cinco anos”, refere Paulo Geisler, presidente da Associação das Companhias Aéreas em Portugal – RENA e representante em Portugal da companhia aérea alemã – a Lufthansa. “Ora, este aeroporto, tal como está hoje, não suporta um crescimento dessa dimensão.” Nos últimos dez anos, o número de passageiros a passar pelo aeroporto de Lisboa duplicou: passou de 13,4 milhões para a 26,7 milhões.
No domingo, dia 1 de Julho, por exemplo, o voo da SATA vindo de Ponta Delgada à hora de jantar atrasou-se duas horas. “Ao chegar a Lisboa, esperámos mais de 20 minutos dentro do avião porque, segundo o piloto, não havia autocarros disponíveis que nos levassem até aos terminais. Na recolha das malas a situação só piorou”, conta ao PÚBLICO um dos passageiros, que tinha ido de férias com a mulher e o filho a S. Miguel. “Aquilo estava um caos. Esperámos uma hora e tal para colher a bagagem porque no mesmo ponto de recolha das nossas malas estavam passageiros de três voos, coisa que eu nunca tinha visto mesmo andando de avião muitas vezes”, prossegue, descrevendo a situação como “um caos completo”.
Beja como alternativa
Todos os meses, o aeroporto “bate recordes”, diz Carlos Oliveira, agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) colocado no aeroporto de Lisboa desde 1994. “Os números estão sempre a aumentar e o aeroporto tem estado sempre em obras para acompanhar” esse crescente fluxo. “Mas os números superam todas as expectativas e quando a obra termina já está sem capacidade para o número de passageiros que entretanto voltou a aumentar.”
Carlos Oliveira fala daquilo que observa quase diariamente: multidões aglomeram-se no intervalo entre as 7h e as 9h da manhã (mas não só). Na madrugada desta sexta-feira, apenas no espaço de 5 minutos, entre as 5h01 e as 5h06, por exemplo, aterraram três aviões de países fora do espaço Schengen, segundo o site da ANA. Somados, os voos de São Tomé, São Paulo e Bissau, na sua capacidade total, fariam com que cerca de 600 passageiros desembarcassem ao mesmo tempo no aeroporto de Lisboa.
As pessoas que trabalham diariamente no aeroporto são muitas vezes as primeiras confidentes das reclamações dos passageiros. Ouvem queixas das longas esperas no controlo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), mas não só. “Há filas enormes para os táxis, filas de horas, onde se chegam a acumular 300 pessoas e que, por vezes, chegam quase ao parque de estacionamento do aeroporto porque o serviço de táxis não consegue escoar a quantidade de pessoas que chega.” Estes problemas ainda são mais visíveis nos picos diários em que o fluxo de passageiros aumenta.
No final de Maio, o jornal especializado na indústria do turismo Publituris referia-se ao congestionamento do aeroporto de Lisboa como “um problema” há muito tempo debatido pelo sector e que seria esse o motivo para operadores turísticos como a Soltour e Jolidey terem decidido passar a ligação Lisboa – Tenerife Sul para o Aeroporto de Beja, garantindo o transporte dos passageiros entre Lisboa e a cidade alentejana.
“O aeroporto de Lisboa já está nos piores lugares de classificação pelos utilizadores e numa situação de quase ruptura, o que mostra que a gestão que tem sido feita não tem visão de médio e de longo prazo”, afirma Acácio Pereira, Presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF-SEF).
Contactada pelo PÚBLICO, a Associação Turismo de Lisboa (ATL), entidade responsável pelo desenvolvimento turístico e destinada a dar apoio e a resolver problemas que os turistas possam enfrentar, não se mostrou disponível para comentar o assunto. A Confederação do Turismo Português também não quis comentar.
Em Janeiro do ano passado, a então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, fixou como tempo máximo de espera no controlo de fronteiras 40 minutos, o que dificilmente se verifica. Instado esta semana pelo PÚBLICO a comentar os tempos de espera que se verificam actualmente, o Ministério que agora é tutelado por Eduardo Cabrita recusou responder, indicando que “as questões sobre tempos de espera no aeroporto devem ser dirigidas ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras”. Com Ana Dias Cordeiro e Luís Villalobos