José Alves desenterrou as raízes pagãs da cultura nortenha
O fascínio pela geografia e cultura de origem celta e pagã das regiões do Minho, Trás-os-Montes e Galiza levou José Alves a dar início ao projecto fotográfico Raízes, que foi recentemente distinguido pelo concurso Novos Talentos FNAC Fotografia 2018.
Existe, segundo o fotógrafo José Alves, um quadro imaginário que corresponde ao “território agreste” que compõe as regiões do Minho, Trás-os-Montes e Galiza. Esse contém “floresta, nevoeiro, chuva”. “Montanha, frio, breu. Fogo, fumo e cinza.” Foi o fascínio pela geografia e pela cultura de raiz celta e pagã que ainda se pratica na região que levou José Alves a dar início ao projecto fotográfico Raízes, que foi recentemente distinguido pelo concurso Novos Talentos FNAC Fotografia 2018. “O território, o contacto com a terra e os elementos – e a forma como moldam a identidade das pessoas é algo que procuro fixar no meu trabalho”, explicou ao P3.
Durante seis meses, José deambulou por aldeias minhotas, transmontanas e galegas, na esperança de capturar algo impalpável, imaterial: o mito que está na raiz do inconsciente colectivo das três comunidades e que está na base da sua identidade. José entende o mito como o conjunto de histórias que viajaram através dos tempos e que deram origem aos provérbios, superstições e tradições que compõem o tecido moral e cultural das populações. Não fotografou rituais, embora os tenha testemunhado. “Trata-se de apelar à imaginação das pessoas através da minha narrativa, da minha interpretação do mito.” O seu trabalho está, por isso, intencionalmente afastado da etnografia. Deve, antes, ser encarado como uma radiografia da alma nortenha. “Procurei poesia, subjectividade, não os factos.”
José nasceu e cresceu num pequeno povoado minhoto, longe da cidade, em “contacto bruto com a natureza”, desfrutando de um sentido de comunidade e de um tipo de liberdade que já há muito se extinguiram nas grandes urbes. As alegorias, lendas, ritos, lengalengas pautavam o quotidiano da aldeia onde cresceu e moldaram a pessoa em que José se tornou. Pouco ou nada do que registou em Raízes representou surpresa. Também na aldeia da sua infância se colocavam, no primeiro dia de Maio, giestas nas fechaduras das portas das casas para afastar os maus espíritos. Era também trivial “ir à bruxa” retirar o mau-olhado. “Deus te deu, Deus te criou, Deus te livre de quem mal olhou”, murmuravam.
Também as superstições abundavam. “Passar por baixo de uma mesa fazia com que não casássemos; passar por baixo da pá do forno fazia com que não crescêssemos; varrer os pés a alguém fazia com que essa pessoa ficasse solteira”, enumera. Também o conhecimento que é, nas aldeias, transmitido de geração em geração — “que tem, mas não tem base científica” — é algo que fascina o fotógrafo e enfermeiro bracarense, de 29 anos. Os seus avós eram agricultores e “conseguiam prever o estado do tempo através da observação de elementos naturais, como a direcção e intensidade do vento ou do comportamento dos animais”, garante. “E, a partir da observação das fases da lua e do posicionamento das estrelas, planeavam o cultivo e as colheitas. É um tipo de conhecimento que considero maravilhoso e que está, efectivamente, na iminência de desaparecer.” É este conjunto de elementos que associa à palavra “mito” e que tentou reter, de forma subliminar, nas imagens que se apresenta agora em portefólio.
A exposição do projecto Raízes estará em itinerância nos fóruns FNAC de todo o país a partir de Setembro.