Numa guerra comercial, a UE ajuda Portugal mas não salva
Estar dentro de um bloco económico poderoso pode ser um refúgio para Portugal num cenário de guerra aberta no comércio internacional. Mas os efeitos negativos de uma travagem da economia mundial seriam inevitáveis.
Com o mundo a assistir à passagem à prática das ameaças que podem desencadear uma guerra comercial de grandes dimensões, a economia portuguesa encontra uma fonte de apoio no facto de estar na União Europeia (UE) e de, na relação com os seus principais parceiros comerciais, as taxas alfandegárias não mudarem. Mas os impactos negativos de uma cada vez mais provável escalada do conflito podem vir de muitos outros lados.
Se ainda havia esperança que a guerra comercial não viesse a passar de uma guerra de palavras, essa esperança terá desaparecido esta sexta-feira, quando os EUA concretizaram um agravamento das taxas alfandegárias aplicadas na importação de produtos provenientes da China e Pequim retaliou imediatamente com a sua própria subida de taxas sobre os produtos norte-americanos. Donald Trump, entretanto, ainda subiu a parada ameaçando já a imposição de obstáculos sobre todos as importações vindas da China, não deixando às economias de todo o mundo outra alternativa que não seja a de se prepararem para os impactos, potencialmente bastante negativos, de uma guerra comercial de grandes dimensões.
Para Portugal, apontam as primeiras estimativas, o resultado poderá ser um efeito negativo no ritmo da actividade económica que comprometa a manutenção da tendência de retoma dos últimos anos. O Banco de Portugal (a única entidade oficial portuguesa a avançar até agora para este tipo de cálculo) projecta o impacto em dois cenários possíveis, um em que a guerra comercial é limitada, apenas com aumentos moderados de taxas alfandegárias em alguns países, e outro de guerra comercial generalizada.
No primeiro caso, o impacto estimado no PIB português é, ao fim de três anos, um valor 0,7 pontos percentuais mais baixo do que aquele que seria conseguido caso não houvesse guerra comercial. No segundo caso, o mais severo, a redução do PIB atingiria os 2,5 pontos percentuais.
Este tipo de efeitos negativos no ritmo de crescimento económico é, de acordo com os modelos utilizados, o resultado de uma série de factores directos e indirectos. Uma subida generalizada das taxas alfandegárias na economia mundial pode levar a que num país, por um lado, as empresas domésticas possam ganhar quotas de mercado internas, criando mais empregos, mas por outro lado, as empresas exportadoras e importadoras saiam penalizadas e os preços suportados pelos consumidores sofram um agravamento. A dimensão dos impactos sofridos depende do grau de abertura de cada economia, da integração das suas empresas no sistema de produção internacional e do poder de mercado que um país tem face aos seus parceiros.
No caso português, há algumas razões para preocupação e outras para alívio. Aquilo que pode contribuir mais para proteger a economia portuguesa num cenário de guerra comercial à escala mundial é o facto de estar inserido num dos principais blocos económicos do globo, a União Europeia.
Cerca de três quartos das transacções comerciais de Portugal com o estrangeiro são feitas com outros países da União Europeia, o que significa que, no que diz respeito a essas exportações e importações de bens não se irá verificar qualquer agravamento de taxas alfandegárias. De acordo com os dados do Eurostat, em 2017, 74,1% das exportações portuguesas foram intra-comunitárias, o nono valor mais elevado entre os 29 países da UE. No que diz respeito às importações, o valor é 76,2%, o oitavo mais alto.
Outra forma como a UE pode servir de protecção a Portugal está no poder negocial que o bloco económico europeu terá num cenário em que as actuais regras multilaterais no comércio internacional se deixam de aplicar.
Um estudo publicado recentemente por três economistas - Peri da Silva, Alessandro Nicita e Marcelo Olarreaga – procura antecipar o que aconteceria caso um conflito comercial sério levasse a que as regras da Organização Mundial do Comércio se aplicassem e cada país começasse a definir o nível das suas taxas alfandegárias somente de acordo com os seus interesses próprios. Em termos gerais, calculam os autores do estudo, as taxas aplicadas aumentariam em média 32 pontos percentuais, conduzindo a uma redução muito significativa das trocas comerciais para todas as economias.
No entanto, algumas economias teriam uma maior capacidade do que outras para conseguir dos seus parceiros taxas alfandegárias menos punitivas. Segundo o estudo, países mais pequenos e com pouca autonomia em determinados tipos de bens seriam os que mais sofreriam num cenário de “cada um por si”. No pólo oposto, as maiores potências sairiam menos penalizadas. O modelo de cálculo utilizado coloca a União Europeia, incluindo Portugal, como o bloco económico com um maior poder de mercado, conseguindo, em circunstâncias negativas para todas, evitar males maiores.
No entanto, há também razões para preocupação. Depois de, nos últimos anos, ter tido no crescimento das exportações um dos principais motores da retoma, a economia portuguesa passou a ser ainda mais aberta ao exterior e, por isso, mais exposta aos efeitos de uma quebra nas transacções no comércio internacional. Em 2008, o grau de abertura da economia (medido pelo da soma das exportações e das importações no PIB) era de 72% e, agora, atinge já os 85,2% (2017). Isto faz com que, embora abaixo de países como a Irlanda e a Alemanha, o país seja mais aberto do que, por exemplo, Espanha, Itália, Grécia e França. Isto é visto muitas vezes como uma característica positiva da economia portuguesa, mas num cenário de guerra comercial pode ser uma desvantagem.
Outro indicador semelhante é o da exposição da economia às cadeias de valor globais, isto é, a forma como uma economia depende de outros países para obter componentes para a produção dos bens que exporta e como contribui com os seus componentes para as exportações dos outros. Um índice calculado pela Organização Mundial do Comércio coloca Portugal, num total de 70 países na primeira metade da lista dos mais expostos.
A economia portuguesa não pode assim aspirar a sair sem danos de uma guerra comercial intensa, particularmente se esta conduzir, como avisam entidades como o FMI ou o Banco Mundial, a um abrandamento significativo da actividade económica a nível mundial e a uma subida de preços.
Nesse caso, não só se verificaria uma redução da procura, mesmo dos países parceiros da UE, como a subida de inflação poderia levar o BCE a ter menos capacidade para oferecer estímulos monetários, o que retiraria força à economia portuguesa e poderia trazer ao de cima fragilidades como o elevado nível de endividamento privado e público.