Metade dos professores com sinais "preocupantes" de exaustão emocional

Níveis de esgotamento são mais elevados nos docentes com mais de 55 anos. Cerca de 40% não se sentem realizados. Há uma relação directa entre sinais de exaustão e queixas relacionadas com salários. São dados “absolutamente catastróficos”, diz coordenadora de estudo pedido pela Fenprof à Universidade Nova.

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Adriano Miranda

Esgotados e frustrados profissionalmente — é este o retrato dos professores que é feito por um estudo da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, que é apresentado nesta sexta-feira. Quase metade dos docentes dá sinais “preocupantes” de “exaustão emocional”. E mais de 40% não se sentem realizados profissionalmente.

Os indicadores reunidos no estudo, que envolveu quase 16 mil professores, são “absolutamente catastróficos”, classifica a investigadora Raquel Varela, que coordena o trabalho. “O Ministério da Educação vai ter que agir em relação a isto. Não é possível ter qualidade de ensino numa situação como esta”, defende a historiadora da Universidade Nova.

O trabalho foi encomendado pela Federação Nacional de Professores (Fenprof), que  já manifestou a intenção de usar os dados agora recolhidos na mesa das negociações quando, na próxima semana, voltar a reunir-se com a tutela para discutir a contabilização do tempo de serviço das carreiras dos docentes.

“Existem outras profissões para às quais existem regimes de aposentação diferenciados e queremos que haja também esse reconhecimento no caso do professores”, explica ao PÚBLICO o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira.

Segundo este responsável, há 12 mil professores de baixa prolongada, o que é um bom indicador do estado de exaustão que afecta a classe.

Os investigadores dividiram os professores em cinco patamares, consoante o nível de exaustão demonstrado.

Quase metade (47,8%) revela sinais no mínimo preocupantes de exaustão emocional — 20,6% mostram sinais “preocupantes”, 15,6% apresentam “sinais críticos” e 11,6% têm já “sinais extremos” de esgotamento. Outros 28,5% dos docentes inquiridos mostram “alguns sinais” de exaustão emocional, ao passo que só 23,6% não declaram quaisquer sintomas.

Dos salários à indisciplina

Estes valores são “um pouco surpreendentes” para o psicólogo do ISPA José Morgado, especialista em Educação, por serem mais elevados do que os revelados em estudos anteriores sobre a mesma matéria em Portugal e em comparações internacionais. Todavia, os resultados “podem ter sido influenciados” pelo momento conturbado que se vive no sector. “O contexto em que se produz uma resposta enviesa sempre a resposta que se dá”, avisa.

Os investigadores da Universidade Nova de Lisboa detectaram uma “correlação muito forte” entre o estado de exaustão emocional e a idade dos professores. Os níveis de exaustão são especialmente elevados nos professores com mais de 55 anos, que, de acordo com os últimos dados oficiais, representam quase 40% dos docentes ao serviço nas escolas nacionais.

Outros factores que influenciam esta situação são questões de carreira (queixas sobre baixos salários e desejo de reforma antecipada), de organização (burocracia na escola e gestão hierarquizada), bem como a indisciplina dos alunos.

Em sentido contrário, não foi encontrada uma correlação de género — a exaustão é semelhante em homens e mulheres — nem a precariedade laboral ou a distância entre o local onde dão aulas e o local onde vivem permanentemente influencia o estado emocional dos docentes.

A exaustão emocional é uma das três dimensões que permitem caracterizar uma situação de burnout. As outras duas são a sensação de despersonalização (que se observa quanto um profissional que trabalha com pessoas começa a encará-las como “coisas”), e que aparece com uma prevalência muito baixa entre os professores (7,6%), e a falta de realização profissional. De acordo com o estudo encomendado pela Fenprof, 42,5% dos professores não estão realizados profissionalmente.

Comparação com médicos

O estudo não estabelece comparações com outras profissões, mas os dados sugerem que os professores do ensino obrigatório apresentam, ainda assim, níveis de cansaço inferiores aos dos colegas do ensino superior. Há dois anos, uma investigação da Universidade Portucalense mostrava que 62% dos docentes universitários estavam em burnout.

Noutro sector de risco para este estado psicológico extremo, o da saúde, dois terços dos médicos deram sinais de exaustão emocional num estudo promovido pela Ordem dos Médicos e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, divulgado também em 2016. A Associação Portuguesa de Psicologia da Saúde Ocupacional aponta para que 13,7% da população activa em Portugal esteja em estado de burnout.

O estudo assenta em “percepções subjectivas” dos professores e “não faz uma classificação médica”, explica Raquel Varela. “Não nos cabia a nós dizer se há burnout ou não.” Os dados que são apresentados em Lisboa nesta sexta-feira serão agora analisados por psicólogos e psiquiatras. O psiquiatra e psicanalista António Coimbra de Matos e o psicólogo António Mendes Pedro fazem parte da equipa.

A equipa de Raquel Varela inclui ainda outros oito investigadores, entre os quais o matemático Henrique Silveira, o sociólogo João Areosa e a antropóloga Luísa Barbosa Pereira. Só em Outubro serão apresentadas as conclusões finais do trabalho.

Para esta investigação foram validadas 15.810 respostas de docentes. Os inquéritos (90% dos quais aplicados junto de professores do ensino público e os restantes no sector privado) foram entregues e recolhidos pelos delegados sindicais na Fenprof, mas envolveram tanto professores sindicalizados como não sindicalizados. O estudo tem uma margem de erro de 0,5%.

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