Já se sabe o que aconteceu aos 12 mil doentes com VIH que se julgava não estarem a ser acompanhados
Um em cinco ficou por identificar, mas especialistas acreditam que se tratam de "casos notificados no início da epidemia, quando não existiam registos clínicos informatizados" e que maioria estaria já com a infecção e, por isso, "com elevadíssima probabilidade de traduzirem óbitos não notificados".
Quase um terço morreu, outros 26% estão a ser acompanhados mas não se sabia, 19% terão abandonado o acompanhamento depois do diagnóstico e 20% não foram identificados. É assim que se distribuem os 12 mil casos de notificações às quais se tinha perdido o rasto. O trabalho de actualização dos dados referentes ao período entre 1983 e 2016 começou no final do ano passado depois de se constatar "a existência de um número elevado de doentes, cujos casos de infecção por VIH haviam sido notificados no passado, sem registo de notificação de óbito nem evidência de se encontrarem em seguimento nas diferentes instituições hospitalares".
O relatório do programa nacional para a infecção de VIH, sida e tuberculose, apresentado esta quinta-feira em Lisboa, detalha, em relação aos doentes não identificados, que "se tratavam maioritariamente de casos notificados no início da epidemia, quando não existiam registos clínicos informatizados, frequentemente em estádio de sida e consequentemente com elevadíssima probabilidade de traduzirem óbitos não notificados".
Somando os óbitos agora constatados, aos 11.008 que já se conheciam em 2016, conclui-se que esta infecção já foi causa de mais de 14 mil mortes em Portugal.
A especialista do departamento de doenças infecciosas do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Helena Cortes Martins, responsável pela recolha e tratamento dos dados, lembrou durante a apresentação do relatório que a "qualidade dos dados é essencial para a monitorização da infecção".
Foi este trabalho de revisão dos números que permitiu que se chegasse a novos valores sobre os doentes diagnosticados, os que estão em tratamento e a sua carga viral. Dados a partir dos quais é possível saber quão longe Portugal está do cumprimento das três metas 90-90-90 da ONUSIDA que estabelecem o seguinte: em 2020, 90% das pessoas infectadas devem estar diagnosticadas; destas, 90% devem estar em tratamento e, neste grupo, 90% devem ter uma carga viral indetectável, não podendo assim infectar terceiros.
A primeira meta já foi ultrapassada. Estimam-se que existam 38.959. Dessas, 91,7% estão diagnosticadas. A segunda meta é a única em que Portugal ainda fica aquém. Do total de diagnosticados, só 31 mil estão em tratamento. Mas o estudo — e também Isabel Aldir, coordenadora do programa nacional para a infecção de VIH, sida e tuberculose — sublinha que estes são dados de 2016 e que ainda não reflectem a "mudança de paradigma" relativa ao tratamento de todos os infectados por VIH. A última meta foi cumprida a 90%.
A propósito do percurso feito nos últimos anos, Graça Freitas, directora-geral da Saúde, sublinhou que Portugal "está no bom caminho", mas lembrou que a taxa de incidência por 100 mil habitantes ainda é "muito elevada" (cerca do dobro da União Europeia).
Os diagnósticos tardios são também um problema e aí o papel das organizações comunitárias é "relevante" sublinhou Graça Freitas. Bem como a realização de testes nas farmácias comunitárias, que devem começar no próximo mês, e dos testes em casa que, segundo o ministro da Saúde, devem ser possíveis até ao final do ano.
"Devemos estar felizes" com os resultados, defendeu Masoud Dara. O especialista da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostrou que, em média, os outros países da Europa Central e do Sul têm 85% das pessoas infectadas que conhecem o seu estatuto serológico. Dessas, 76% estão a ser tratadas. E do universo das que estão em tratamento, 65% tem carga viral indetectável.
886 novos casos
Nos últimos anos, registou-se uma "inquestionável tendência de diminuição dos novos casos de infecção por VIH". O decréscimo prende-se, diz Isabel Aldir, com a descriminalização do consumo de drogas, os programas de trocas de seringas, a distribuição de preservativos, o tratamento no momento do diagnóstico e, mais recentemente, a profiláxia pré-exposição (PrEP) — até 30 de Junho, existiam 50 pessoas a fazer o tratamento profiláctico e 74 pedidos reservados.
Mas nem tudo é perfeito. O número de casos diagnosticados em 2017 é superior aquele que foi reportado no mesmo relatório do ano passado. São 886 novos infectados quando em 2016 foram anunciados 841 (valores depois revistos em alta para 1030 casos pela OMS).
O relatório apresenta uma justificação: "O aumento do número de novos casos comparativamente ao período homólogo poderá ser, por um lado, reflexo de notificações feitas em tempo mais adequado e, por outro lado, traduz o esforço que tem sido colocado em relação à promoção do diagnóstico."
O perfil dos novos infectados mantém-se mais ou menos estável. A maioria continuam a ser homens (71,4%) e heterossexuais (60,6%). As mulheres são cerca de um terço (28,6%) e os homens homossexuais são 36,9%. Os diagnósticos tardios ainda acontecem em 53,2% dos casos detectados. E 142 das novas infecções já são casos de sida.
Quanto às idades, há 23,5% dos diagnósticos feitos entre os 15 e os 29 anos. Em 47,1% dos novos diagnósticos os doentes têm entre 30 e 49 anos. Os restantes 28,9% dos casos foram detectados entre quem tem mais de 50 anos.