Câmara ordena o corte de quase uma centena de sobreiros para “salvar vidas”

O abate das árvores foi autorizado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas alegando razões fitossanitárias e por alguns exemplares se encontrarem secos depois de terem sido afectados por um incêndio.

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A população de Pinhal de Negreiros, pequena localidade que integra a freguesia de Azeitão, tem sido confrontada desde o início de Junho com intervenções no coberto vegetal que envolve a pequena aldeia. Primeiro, as motosserras derrubaram dezenas de pinheiros bravos, exemplares saudáveis, uma decisão que desagradou à maioria dos residentes. Mas os técnicos da Câmara de Setúbal alegaram que havia árvores a mais. Inconformadas com a decisão, as pessoas exigiram explicações e a autarquia respondeu-lhes que estavam a "salvar vidas”, relatou ao PÚBLICO, Teresa Leal, moradora no local. A pequena comunidade ainda não estava refeita do abate de pinheiros quando é surpreendida com o desaparecimento de quase uma centena de sobreiros, na estrada que dá acesso à aldeia.

A decisão do município deixou as pessoas perplexas e foram novamente exigidas explicações aos responsáveis municipais. “Se houver fogo nós é que somos indiciados” foi a justificação apresentada pelos técnicos da autarquia, relata a moradora. Teresa Leal dá conta do que considera ser um paradoxo: “Fez-se primeiro o abate de pinheiros, até meados de Junho, depois cortaram os sobreiros, mas as manchas de eucaliptos permanecem” quando vários lotes com esta espécie se encontram “mais próximos das habitações”, assinala.

Não se compreende o critério seguido no abate. “Árvores afastadas mais de 100 metros da povoação foram cortadas e as que se encontram junto às habitações ainda lá continuam”, refere a moradora de Pinhal de Negreiros. 

Técnicos da Câmara de Setúbal adiantaram aos moradores que para compensar as árvores abatidas, com a alegação de que já se encontravam mortas ou decrépitas, iam ser reflorestados os espaços intervencionados com espécies resistentes ao fogo. Neste caso, o sobreiro é uma das espécies mais qualificadas.

Cortar sobreiros com dezenas de anos para no seu lugar voltar a plantar sobreiros “parece um contra-senso, observa Teresa Leal, garantindo que as árvores abatidas não estavam nem secas nem decrépitas. “Havia de facto sobreiros que tinham a casca queimada (por um incêndio que ocorreu no ano anterior no local), mas tinham recuperado e estavam cobertas de folhagem verde."

O PÚBLICO tentou saber junto da Câmara de Setúbal que razões justificaram o abate dos sobreiros, mas não obteve resposta. No entanto, o Ministério da Agricultura, instado no mesmo sentido, confirmou que o “ICNF recebeu um primeiro requerimento (da Câmara de Setúbal) para abate de 32 sobreiros adultos e 70 jovens”. Depois de analisado, a tutela “autorizou o corte de 26 sobreiros adultos e de 70 sobreiros jovens por razões fitossanitárias uma vez que os exemplares estavam secos por terem sido afectados por um incêndio”, algo que a população de Pinhal de Negreiros não confirma.

A autarquia endereçou ao ICNF um segundo requerimento “para abate de 60 sobreiros e foi autorizado o corte de 54 sobreiros (24 adultos e 30 jovens) no âmbito da legislação que regula a Defesa da Floresta Contra Incêndios, por se encontrar numa faixa de gestão de combustível”, acrescentou ainda o ministério.

A denúncia do abate de quase uma centena de sobreiros chegou à organização ambientalista Quercus, que solicitou à autarquia explicações sobre as razões que determinaram a intervenção numa área de montado. O município esclareceu que os trabalhos de corte de árvores “resultam do cumprimento pelo município de Setúbal da legislação relativa à defesa da floresta contra incêndios e, em particular, dos critérios de gestão de combustível”. E acrescenta: “Trata-se de uma operação que procura diminuir o nível de risco existente no loteamento de Pinhal de Negreiros, visando o reforço da salvaguarda da segurança dos residentes e dos seus bens, através do estabelecimento de faixas de segurança a edifícios, equipamentos e infra-estruturas”.

A autarquia adianta ainda que os trabalhos de corte de árvores, com um número inferior ao requerido junto do ICNF (150 sobreiros), “encontram-se concluídos”, frisando que está “em curso” a remoção de sobrantes, seguindo-se uma operação de desmatação e limpeza de terrenos, que vai decorrer até 15 de Julho.

Nas declarações prestadas ao PÚBLICO, a Quercus diz ter constatado a existência de “um sentimento geral de repúdio” na população e acrescenta que o caso relatado “é mais um mau exemplo da aplicação da lei”, que classifica de “preocupante”, e que pode estar a ser replicado noutros locais.

Apesar da regulamentação referir a necessidade de afastamento de quatro metros entre copas das árvores e dos sobreiros queimados rebentarem com facilidade, a organização ambientalista salienta que “poderia ter sido evitado este grande abate”, frisando que a decisão “revela o desajustamento na legislação para a prevenção de incêndios”.

A Quercus considera que o abate de sobreiros consumado em Pinhal de Negreiros "é um dos mais graves ocorridos este ano” depois da Autoridade Tributária divulgar a campanha de prevenção de incêndios do Governo, classificando-o como “mais um caso de exagero da aplicação da Lei”.

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