Vitória de López Obrador no México é uma mudança de regime
O triunfo do Morena não é uma simples alternância, constitui a maior ruptura política mexicana moderna. Anuncia-se uma nova maioria, um “avassalador bloco político” com uma nova legitimidade.
A expressiva vitória de Andrés Manuel López Obrador (AMLO) nas presidenciais do México, com 53,6% dos votos, não só marca uma viragem à esquerda como provoca uma ruptura de fundo na política e no sistema partidário mexicanos. Não é exagerado falar em mudança de regime. O partido que criou para vencer as eleições, o Movimento Regeneração Nacional (Morena), surge como a nova força hegemónica no México. É também a primeira força parlamentar, embora sem maioria absoluta, e consegue a implantação territorial.
Após 70 anos de hegemonia do Partido Revolucionário Institucional (PRI), a vitória do conservador Vicente Fox nas presidenciais de 2000 levou a uma bipolarização entre o Partido da Acção Nacional (PAN, direita) e o Partido da Revolução Democrática (PRD, esquerda). Este sistema entrou em colapso nestas eleições. Ricardo Anaya, candidato do PAN e aliado ao PRD obteve 22,5% dos votos, enquanto José Antonio Meade, candidato do PRI, ficou pelos 15,5%.
Os resultados para as duas câmaras do Parlamento e as votações nos estados onde se elegiam governadores seguiu essa tendência. Exemplo relevante é o facto de Morena ter conquistado ao PRD a Cidade do México.
A legitimidade histórica
É a terceira alternância em 18 anos. Após 12 anos de domínio da PAN, o PRI reconquistou a presidência e o Parlamento em 2012. Mas, desta vez, o que acontece é muito mais do que uma alternância. É um terramoto que, para os analistas, constitui a maior ruptura na história moderna do México. O PAN está dilacerado por divisões provocadas pela aliança que Anaya fez com a esquerda e o PRD está em vias de ser esvaziado em benefício do Morena.
O histórico PRI é também ameaçado pelo triunfo de AMLO e do Morena. A sua sobrevivência depende da força dos caudilhos “priistas” nos governos estaduais, mas eles estão em patente declínio. Terá de se reinventar. Sinal da sua dramática crise é o facto de o Presidente Enrique Peña Nieto ter escolhido como candidato o independente Meade, um ministro tecnocrata. A ideia era não o identificar com o fracasso da actual presidência, completamente desacreditada. Mas provocou um efeito de boomerang: os eleitores não reconheceram nele a cultura do velho PRI.
É importante notar que os valores históricos que AMLO reivindica são em grande medida os do nacionalismo revolucionário que o PRI encarnou durante décadas. Reside aqui a ambiguidade e o paradoxo do esquerdismo de López Obrador. Nada tem a ver com Hugo Chávez mas com as raízes da revolução nacional mexicana. Por isso, o Morena pode ser uma força capaz de atrair grande parte de um PRI em decadência e em perda de identidade.
Por outro lado, o binário PRI-PAN perdeu a legitimidade perante o discurso social e anti-corrupção de López Obrador. “A legitimidade foi perdida porque o sistema deixou de ser funcional: apesar da melhoria económica, criou fortes desigualdades sociais e foi incapaz de lidar com a violência e a insegurança”, sublinha o analista Luis Rubio.
A cultura política criada pelo PRI pode favorecer os desígnios de Andrés Manuel López Obrador. O seu projecto não é criar “uma nova maioria mas um avassalador bloco político” destinado a dominar a política mexicana por muitos anos, explica o analista Jesús Silva Herzog-Márquez. “O Morena não se concebe como um partido, tem a expectativa de encarnar todo o mundo político (...). Pretende apresentar-se como a síntese política do México, como voz da legitimidade histórica.”
Prevê Herzog-Márquez: “Depois do voto, seguir-se-ão naturalmente as migrações para o campo dos ganhadores.” Morena não quis apenas alargar o seu eleitorado e conquistar a presidência “mas refazer o mapa e dinâmica da política. Prepara-se uma mudança sem precedentes.”