O Estado e as startups: ajuda ou bloqueio?
O que realmente interessa é dar as ferramentas aos empreendedores para conseguirem montar empresas sustentáveis e, se forem startups, terem crescimento acelerado.
Na passada quinta-feira, tive a oportunidade de participar num painel intitulado “Portugal e as Startups: Riscos, Oportunidades e o Papel do Estado”, organizado pelo Institute of Public Policy (IPP). Este painel teve como cabeça de cartaz Nuno Sebastião, CEO da Feedzai, tendo ainda participado Manuel Mira Godinho, Presidente do ISEG e especialista em políticas de inovação, tendo Ana Pimentel, jornalista do Observador, sido a moderadora do debate.
Como já tive oportunidade de escrever em artigos anteriores, o ecossistema português está numa fase importante do seu desenvolvimento, com alguns dos processos e estruturas ainda não estabilizados, sendo necessário corrigir alguns problemas antes que cristalizem. A necessidade de debater o papel do Estado neste domínio é, assim, fundamental, tendo em conta a infeliz centralidade que tem em toda a vida pública e económica.
Foi exatamente por aí que o debate se iniciou, tendo-se falado de quais os problemas fundamentais que importaria corrigir ao nível da atuação do Estado. Naturalmente, como Mira Godinho notou, alguns dos nossos problemas vêm de há muito tempo atrás, com o Estado a ser o reflexo da sociedade portuguesa, e cuja resolução nunca será nem simples nem rápida. Apesar disso, concordámos todos que haveria sempre algumas alterações que poderiam ser feitas para melhorar o estado do Estado.
A primeira menção foi feita relativamente à regulamentação. Não é segredo para ninguém que a burocracia existente em Portugal é excessiva – daí, aliás, a necessidade dos vários e sucessivos programas “Simplex”. Tenho experienciado pessoalmente a extensão desta burocracia e é impressionante quão difícil é navegar o labirinto legal que nos é imposto, inclusivamente com um número infindável de portarias a que a legislação faz referência, mas que… nem sequer existem.
Tudo isto é um sintoma de um mal ainda maior: a falta de estabilidade na regulamentação. As alterações de pormenor ocorrem a uma velocidade vertiginosa, havendo exemplos de duas ou três mudanças legislativas ao mesmo documento no mesmo ano! É incrivelmente complicado alguém manter-se a par de tudo e os primeiros a notar este problema são mesmo os investidores estrangeiros que ficam, claro, de pé atrás em relação a investir em empresas sedeadas em Portugal. Junte-se a isto a morosidade crónica da justiça portuguesa e percebe-se por que o nosso ecossistema não tem a vitalidade que poderia ter. Como o Nuno disse no debate: “Isto é muito fácil de resolver e até seria muito rápido. Candidamente, menos propaganda que se anda a fazer Simplex e mais ação e mais concreta”.
A base do sistema considerada, foi debatido como o ecossistema e as startups individualmente consideradas poderiam ser ajudadas. Já indiquei anteriormente que não considero muito úteis quaisquer incubadoras que sejam essencialmente espaços de cowork. Neste capítulo, não resisto a partilhar o que um diretor de uma incubadora portuguesa me disse sobre existir, em Portugal, uma distinção entre “incubadoras físicas” e “incubadoras conceptuais”. Enquanto as “incubadoras físicas” são locais onde empresas têm o seu espaço para trabalhar, enquanto as “conceptuais” já teriam um programa de incubação. Estas últimas, dizia-me o referido diretor, são realmente muito poucas em Portugal e que, para avançar com a criação de um programa desses, precisaria de… financiamento público.
O espaço de trabalho é o menos importante numa startup. No caso de Silicon Valley, foram várias as startups que começaram em garagens e, sabendo que, em Portugal, nem toda a gente tem uma garagem disponível, trabalhar a partir da sala é mais do que suficiente. O que realmente interessa é dar as ferramentas aos empreendedores para conseguirem montar empresas sustentáveis e, se forem startups, terem crescimento acelerado.
Não se devem, no entanto, tratar todas por igual. O Nuno Sebastião deu um exemplo de uma incubadora que vai mantendo muitas supostas startups nas suas instalações durante vários anos porque vão pagando as rendas e ganhando prémios ou subsídios aqui e ali, mas que não crescem nada há mais de uma dezena de anos. Estas muitas empresas, com a conivência dessas incubadoras e do Estado, vão absorvendo recursos públicos que poderiam ser melhor utilizados em apenas algumas com potencial.
Na questão do financiamento, seria preferível não haver intervenção direta do Estado. As sociedades de capital de risco têm a experiência e o conhecimento para avaliar e gerir investimentos, que o Estado, mesmo através de entidades semipúblicas, não tem. Assim, já que existe a necessidade de haver mais dinheiro público no ecossistema português, fruto da indisponibilidade de muitos grandes fundos e empresas portuguesas de alterarem a sua mentalidade de querer fazer lucro rapidamente para terem que esperar alguns anos para ter retorno, será sempre preferível o Estado emprestar (nunca dar) dinheiro aos privados para que o possam investir.
Outro elemento referido no debate foi a disparidade de condições entre as empresas estrangeiras que investem em Portugal e as empresas portuguesas que investem no país. Faz muito pouco sentido que sejam dadas benesses como subsídios ou isenções fiscais e/ou contributivas a algumas empresas, mas não a outras. Dois nomes, um da alta tecnologia e outro industrial, foram mencionados no debate: a Google, que se está a instalar em Portugal, e a Autoeuropa, já instalada há muitos anos, têm benefícios que as tornam artificialmente mais competitivas face às suas concorrentes com sede em Portugal. Não admira, pois, que haja um incentivo muito grande a empresas portuguesas se deslocalizarem para o estrangeiro para imediatamente a seguir investirem em Portugal, beneficiando de tudo aquilo que o Estado disponibiliza… mas apenas para os estrangeiros.
Não quero deixar de referir a Web Summit e a conclusão chegada de que não tem tido o impacto esperado. A nível publicitário e político, foi um sucesso tremendo, mas não houve grandes consequências positivas ao nível do ecossistema. Não tem havido mais startups com grande sucesso – os nomes de que se falam agora são os mesmos de antes da Web Summit – nem aumento de investimento, tendo este inclusivamente diminuído. Ainda se vai a tempo de poder aproveitar a atenção que temos tido, mas será necessário haver um trabalho que ainda não existiu e que juntaria todos os elementos mencionados, apostando na qualidade em vez de na quantidade.