“A maior parte dos chineses está ainda a tentar perceber onde fica Portugal”
Como é que um país como Portugal entra num mercado gigantesco como o asiático? Debra Meiburg, uma profunda conhecedora deste mercado complexo, veio a Portugal para o Must – Fermenting Ideas e deixou algumas conselhos. Para começar: manter um discurso simples e esquecer as harmonizações.
Trinta anos a viver em Hong Kong e a viajar por toda a Ásia dão à jornalista, autora de livros, consultora e Master of Wine norte-americana Debra Meiburg uma segurança rara ao falar de um mercado complexo, variado – mas cada vez mais atraente para os produtores de vinho – como é o da Ásia.
Na wine summit Must – Fermenting Ideas, uma iniciativa do crítico de vinhos Rui Falcão e do jornalista Paulo Salvador, que aconteceu entre os dias 20 e 22 no Centro de Congressos do Estoril, reunindo vários oradores nacionais e internacionais, Debra Meiburg fez uma excelente apresentação, durante a qual descreveu o estado do mercado do vinho em vários países asiáticos. Se, por um lado, chamou a atenção para as oportunidades que existem e aconselhou estratégias, por outro alertou contra os mais comuns erros de abordagem de um mercado culturalmente tão diferente dos outros.
No final, conversou com a Fugas sobre o que pode fazer um país como Portugal perante um desafio tão complexo como é o de entrar neste universo com milhões de consumidores, na sua maior parte ainda pouco familiarizados com o vinho.
Na sua conferência, disse que no caso da China, o melhor é uma abordagem província a província. Sendo Portugal um país pequeno, com um problema de escala de produção, o que é que aconselha?
No mercado chinês há poucos importadores que consigam distribuir por todo o país. Os que o conseguem querem trabalhar com as grandes marcas, por isso só as maiores marcas portuguesas deveriam abordar estes importadores. Os produtores mais pequenos precisam de encontrar pessoas que tenham o coração com Portugal. E, nesse caso, seria muito importante convidá-los a visitar a adega, a conhecer o que Portugal tem para oferecer.
A boa notícia é que na China ninguém tem nenhuma ideia sobre o que é Portugal e não sabem nada sobre vinho português, o que também é um desafio. Não há primeira impressão do vinho português, por isso os produtores podem tornar a história sua. É como ter uma tela branca para começar a pintar.
O vinho português é muito de blends, com muitas castas diferentes e nomes difíceis. Isso complica a comunicação?
Infelizmente, os países com blending complicado têm mais dificuldades. É o que acontece também com Itália, por isso a minha sugestão é manter as coisas simples. Os produtores têm sempre a tentação de mostrar toda a sua gama mas eu sugiro que procurem algumas garrafas de que se orgulhem particularmente, com nomes simples de pronunciar e concentrarem-se aí. Não tentem convencer os importadores a ficar com a gama toda. Será um fracasso. É demasiado confuso.
É preciso não esquecer que a maior parte das pessoas na China está ainda a tentar perceber onde fica Portugal. A educação deles não inclui grande conhecimento geográfico da Europa, por isso o primeiro passo é garantir que eles ficam a saber onde é que fica Portugal, o que é Portugal, que elementos culturais podem contar a história. O que é maravilhoso em Portugal é ser um país de mar, que é algo com que as pessoas na Ásia se relacionam muito.
Uma das vantagens de Portugal é a sua história na Ásia, poderiam jogar com isso, nunca conquistaram um país mas estiveram sempre na Ásia. É preciso uma história. A minha empresa trabalha com diferentes regiões. No caso da Geórgia, por exemplo, o trunfo são 8000 anos de história, para Portugal pode-se falar dessa longa relação de amizade com a Ásia e do comércio marítimo.
O marisco, por exemplo, é algo que as pessoas compreendem bem nas regiões da China que são compradoras de vinho. Para os jovens, temos que pensar no que torna o estilo português cool. Mas essa é uma resposta que eu ainda não tenho.
[Neste momento, o produtor de vinho Luís Pato aproxima-se e interrompe para pedir um conselho sobre se na Ásia será melhor apresentar brancos, tintos ou espumantes. Debra Meiburg explica que "a Ásia sempre foi um mercado de tintos, onde as pessoas acham que o tinto dá sorte e saúde e vêem-no como mais sofisticado; na China, em particular, 68% do mercado é tinto". Luís Pato argumenta que o branco combina melhor com a cozinha chinesa, mas Debra esclarece que os chineses "não fazem harmonização entre comida e vinho". O produtor português conta que uma vez esteve no Japão num "jantar fantástico" com comida local e os seus vinhos e que os brancos e os espumantes funcionaram muito bem, mas o tinto nem por isso. "A doçura e o salgado da comida conjugam-se muito melhor com os brancos e com vinhos com boa acidez e por vezes alguma doçura", diz. Debra sugere o vinho tinto "iria bem com bife Kobe" e lembra, por outro lado, que "no Japão têm uma longa história de saké, pelo que estão mais habituados a bebidas brancas e frias". Terminada a conversa, seguimos com a entrevista].
Disse também que era muito importante fazer a ligação com o turismo. Como?
Há muitas facetas diferentes ligadas do turismo. Um bom exemplo é o grupo de produtores portugueses Douro Boys. Vieram para a Ásia com energia, apoiando-se uns aos outros. A primeira coisa que é importante é a capacidade de trabalharem juntos. Chegaram ao nosso mercado com excitação e energia e quando eu provava um dos vinhos o produtor dizia, se gostou prove o do meu amigo. Apoiaram-se e essa energia fê-los conquistar fãs na Ásia. Trabalhar em conjunto funciona, seja para uma região, seja apenas para um grupo de produtores que queiram convidar alguém para vir a Portugal e começar a história. Mas é importante que os responsáveis do Turismo o tornem friendly para os chineses, criando actividades que eles adoram, como comer marisco, por exemplo.
O Brasil fez uma campanha na China apostando no sol e na praia e as pessoas não reagiram com interesse. Qual é a explicação?
Os chineses não gostam de estar ao sol. Ainda há um preconceito contra isso. A pele mais escura é para classes mais baixas, está relacionada com pessoas que trabalham no campo, com o trabalho manual. Por outro lado, os chineses preocupam-se muito em parecer jovens e bonitos e em proteger a pele. Muitas das minhas amigas chinesas se vão para o sol, usam luvas e chapéus para tapar tudo, excepto os olhos. Por isso, promover a praia não é bom, mas promover marisco fresco, é. Jantar fora, historicamente, é para pessoas mais pobres. As pessoas bem sucedidas comiam em casa, com ar condicionado. Agora começam a ir mais jantar fora para tentar perceber o amor dos europeus por isso.
Já trabalhou com regiões portuguesas?
Fiz algumas coisas para a região do Tejo, no Sul da China. Foi muito interessante porque fomos para cidades não muito conhecidas, mas grandes. Mas foi apenas uma apresentação, não uma estratégia completa.
O meu principal conselho é: tragam duas garrafas, mantenham a mensagem simples, tragam materiais didácticos mas muito simples, encontrem formas de ajudar as pessoas a memorizar os vinhos. Por exemplo, trabalho com a Geórgia, que foi uma enorme história de sucesso na China. Em quatro anos passámos de 700 mil garrafas para dez milhões. Uma das coisas que fizemos foram vídeos para ajudar as pessoas a memorizar os nomes das castas. Um dos nomes é Rkatsiteli – eu fiz um vídeo com o meu gato, contei que tinha quatro e que um deles gosta de ver televisão – A cat see teli – e tenho uma imagem do meu gato com o controlo remoto a ver televisão e assim agora toda a gente aprendeu o nome. Se for um blend, o que eles precisam de identificar é apenas a região.
E quanto à imagem dos vinhos? É preciso fazer adaptações para o mercado chinês? Usar mais o vermelho, por exemplo?
O vermelho já foi mais importante do que é hoje, as pessoas compravam muito vinho para oferecer e embrulhavam-no, com vermelho e dourado, para se perceber que era algo de festivo. Hoje bebem cada vez mais vinho como um estilo de vida, por isso o importante é garantirem que a garrafa tem um ar sofisticado. Não precisa de ser pesada mas o rótulo tem que ser sofisticado.
Acho que a maior parte dos rótulos portugueses adequam-se bem, mas deixe-me comparar com a Austrália: adoram fazer rótulos engraçados, com piadas ou animais, porque querem tornar o vinho divertido. Mas os chineses bebem-no porque o acham sofisticado. Por isso, aconselho que olhem para os rótulos e pensem: se fossem propor casamento a alguém, qual seria o rótulo que gostariam de ter na foto quando colocassem o anel no dedo?
Referiu a importância na Ásia dos chamados KOL’s ou Key Opinion Leaders. Até que ponto é que são conhecedores de vinho?
Alguns deles têm conhecimentos de vinho mas muitos dos mais influentes não são pessoas do mundo do vinho, são mais do lifestyle, são influencers. Para eles, é importante que o vinho seja sofisticado mas divertido. Não precisa de ser fine wine, mas é bom que tenha alguma história, que tenha sido bebido por alguém importante ou que alguma pop star goste dele.
Disse que outros países, como o Vietname, podem ser boas oportunidades. Para Portugal também?
Adorava ter tempo para pensar numa estratégia para Portugal, mas, francamente, acho preferível uma estratégia regional. Portugal tem muitas regiões diferentes, é demasiado complexo. Adorava que Portugal apresentasse algumas regiões que definissem a imagem do país. Muitas instituições de promoção de vinho cometem erros porque têm que ser justos para todos, mas eu preferia que durante três anos Portugal seleccionasse três regiões e pusesse o seu esforço aí.
A tendência, geralmente, é para pensar que o melhor é apresentar primeiro o país e depois entrar no detalhe das regiões.
Sim, mas pense nos Estados Unidos, Nappa Valley foi um sucesso. A África do Sul criou um sub-grupo chamado PWSA (Premium Wines of South Africa), produtores de diferentes regiões escolhidos para dizer: estes são alguns dos nossos melhores vinhos, isto é a África do Sul. Eu não trabalho directamente com eles mas costumava dizer: mandem as estrelas primeiro, não deixem que sejam os vinhos mais baratos a criar a imagem do vosso país.
O Chile entrou no mercado com volume e isso é uma armadilha. França fez o contrário – apesar de nem sequer ter sido uma estratégia pensada, começou com Bordéus e a seguir veio a Borgonha. Os produtores mais pequenos acabaram por beneficiar porque os grandes, Lafite, Latour, Margaux, chegaram primeiro e definiram a imagem.