Estava um mundo de probabilidades apontado contra si: é latina (filha de porto-riquenha e de um norte-americano), é mulher, é socialista e tem 28 anos. Há um punhado de meses, trabalhava como empregada de balcão. Mas, contra todas as expectativas, e apesar de ter trabalhado na campanha presidencial de Bernie Sanders, Alexandria Ocasio-Cortez venceu as primárias nova-iorquinas pelos Democratas, ainda que não reunisse o apoio do partido. Como se não bastasse, e para seu próprio choque, Ocasio-Cortez derrubou o favoritíssimo Joseph Crowley, abrindo caminho para um assento no congresso dos Estados Unidos da América. É indubitável que este é um sinal dos tempos, em particular se o analisarmos à luz do que está a acontecer do lado de lá do Atlântico, mas gostaria de sugerir um outro olhar sobre o sucedido.
Perante este evento tão singular, proponho que tentemos transpô-lo para a realidade portuguesa. E nem sequer falando do facto de Ocasio-Cortez fazer parte de uma minoria, mas apenas por ter a idade que tem: estaríamos preparados para aceitar uma candidata (ou candidato) com menos de 30 anos para o Parlamento? Ou, na loucura, para um cargo governativo de relevo, que vá além das autarquias ou da gestão local? E, mesmo que o povo escolhesse alguém que estivesse perto dos 30 anos para os representar, como reagiriam as elites? Falariam de alguém inexperiente e sem currículo ou, por outro lado, mostrariam abertura a uma nova abordagem aos problemas de sempre?
Não é raro ter amigos ou conhecidos, da mesma geração do que a minha, a queixar-se do mesmo: o superior hierárquico não os reconhece, ou coloca-os constantemente em desvantagem perante alguém que, pura e simplesmente, é mais velho. O problema é transversal a qualquer área profissional e, parece-me, puramente geracional.
Os 30 são os novos 20, sim, e isso parece espelhar-se também nos ambientes laborais, em que os mais jovens parecem não ter palanque onde a sua voz possa ser ouvida e considerada. Caso contrário, parece-me, é o grupo quem perde, porque não tem variedade de ideias e soluções, que podem ser trazidas por quem teve a fortuna de nascer noutra era, adquirindo outras referências e outros modos de pensar. Essa desconsideração acaba por reflectir-se em tudo: no sentimento de pertença à equipa e à empresa, na motivação, na produtividade e, inevitavelmente, na remuneração, que continua a ter uma clivagem assombrosa e sem precedentes entre o que se recebe aos 40 e o que se recebe aos 30.
Ocasio-Cortez, além das já mencionadas experiências enquanto empregada de bar e de ter trabalhado para a campanha de Sanders, conta ainda com experiências tão variadas no CV como editora de livros infantis ou activista pela sua comunidade do Bronx, em Nova Iorque. Este factor é também geracional: os millennials, por força das suas precariedades laborais habituais, possuem também itens no currículo em que a bota parece não jogar com a perdigota. Ainda assim, trazem em si experiências variadas e difíceis de equiparar a alguém que passou 50 anos à mesma secretária a ouvir as mesmas pessoas e, maquinalmente, a resolver as mesmas quezílias.
Não quero com isto dizer que os millennials são melhores (nem piores) do que as gerações dos seus pais ou dos seus avós. Mas são diferentes — e, como tal, têm de ser ouvidos, e não desconsiderados com comentários paternalistas ou olhares altivos de quem pensa "este miúdo não percebe nada disto". Não advogo também o facilitismo da regra "se é millennial, deve passar à frente dos mais velhos", mas sim uma ponderação e uma segunda oportunidade para ouvir e avaliar o que aquele empregado de 30 anos pode fazer para além de executar as tarefas mais básicas ou tirar fotocópias.