Amnistia pede justiça e identifica 13 militares por abusos aos rohingya
O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas birmanesas, Min Aung Hlaing, é um dos identificados. O relatório diz que as agressões já aconteciam antes do início do confronto e que os crimes foram organizados em larga escala.
Homicídios, tortura, violações, agressões e limpeza étnica. A Amnistia Internacional publicou esta quarta-feira um relatório em que relata alguns desses delitos e identifica 13 responsáveis do Exército birmanês que tiveram um “papel importante” em nove crimes contra a humanidade cometidos sobre a minoria muçulmana rohingya. O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas birmanesas, o general Min Aung Hlaing, é um dos identificados; há ainda nove comandantes do Tatmadaw (forças armadas nacionais) e três agentes da polícia fronteiriça birmanesa (BGP). A organização pede que a investigação seja reencaminhada para o Tribunal Penal Internacional, em Haia.
“Milhares de mulheres, homens e crianças rohingya foram assassinados, alvejados enquanto fugiam, ou queimados até à morte dentro das suas próprias casas – mas talvez nunca se venha a saber ao certo quantos perderam a vida como resultado das operações militares”, lê-se no relatório intitulado Vamos destruir tudo: a responsabilidade militar pelos crimes contra a humanidade no estado de Rakhine, Birmânia.
O documento, baseado em mais de 400 entrevistas e uma investigação de nove meses, refere ainda que há relatos de detenções e tortura de homens e rapazes rohingya semanas antes de a crise ter começado no final de Agosto, quando os confrontos entre um grupo rebelde e as forças birmanesas levaram à fuga de mais de 702 mil rohingya do estado de Rakhine para o Bangladesh. A versão oficial das autoridades é a de que os confrontos só começaram depois de o grupo ARSA (Exército de Salvação dos Rohingya de Arracão, um grupo que tinha como objectivo defender os direitos da minoria muçulmana) ter atacado postos da polícia birmanesa e uma base militar do Exército em Rakhine.
Outro exemplo são os moradores que contam que os militares ameaçavam as populações de que as alvejariam directamente e indiscriminadamente se fizessem alguma coisa de “errado”.
Houve ainda mulheres e raparigas a serem violadas, algumas em grupo, tanto nas aldeias como quando já estavam em fuga para o Bangladesh. No relatório é dito que “algumas vítimas de violação viram os membros da família a serem mortos à sua frente. Em pelo menos uma aldeia, as forças de segurança deixaram as vítimas de violação dentro dos edifícios e atearam fogo”. Há testemunhas que contam que lhes era negada água e comida, e alguns dos refugiados eram espancados até à morte.
Pouco depois de o relatório ter sido publicado, a relatora da ONU para os Direitos Humanos na Birmânia, Yanghee Lee, disse que as condições em que os rohingya são mantidos não tinham melhorado desde Agosto.
As forças de segurança da Birmânia foram anteriormente acusadas de crimes contra a humanidade e de limpeza étnica, e também de serem responsáveis pela morte de mais de 6000 pessoas, incluindo 730 crianças. A Amnistia condena agora as autoridades birmanesas por nada terem feito para evitar os crimes contra a humanidade que estavam a ser cometidos e também a ONU tem falado em limpeza étnica.
Ataque “organizado”
“A explosão da violência – incluindo homicídios, violações, tortura, pessoas queimadas e outras obrigadas a passarem fome – perpetradas pelas forças de segurança da Birmânia em vilas e aldeias ao longo do estado de Rakhine – não foi obra de soldados ou unidades insubordinados. Há muitas provas de que isto fez parte de um ataque organizado e sistemático contra a população rohingya”, disse o Conselheiro de Crise da Amnistia Internacional, Matthew Wells. E acrescenta que “aqueles que têm sangue nas mãos” devem ser responsabilizados por isso.
Em Abril, sete soldados birmaneses foram condenados a dez anos de prisão e trabalhos forçados pela participação na execução de um grupo de homens rohingya. O Governo birmanês foi acusado de esconder provas de execuções ao destruir valas comuns onde terão sido enterrados rohingya executados pelo Exército e por milícias armadas.
Esse massacre só chegou aos jornais depois de ter sido investigado por dois jornalistas da Reuters, que foram posteriormente detidos e enfrentam agora acusações judiciais que podem valer 14 anos de prisão, por estarem em causa documentos confidenciais, ainda que os advogados defendam que a informação estava disponível publicamente antes das detenções.
A crise na Birmânia começou a 25 de Agosto de 2017: em resposta aos ataques reivindicados pela ARSA, o Exército birmanês lançou uma ofensiva que levou à fuga em massa de milhares de rohingya do estado de Rakhine, de onde é originária grande parte dos que atravessaram a fronteira. A perseguição à minoria muçulmana na Birmânia dura há séculos e o Governo birmanês não os reconhece como cidadãos, não os deixa votar, não lhes permite a circulação livre e veda-lhes o acesso a serviços públicos.