Lisboetas escrevem a Nadal a pedir que “não mate” as memórias do Rossio
O tenista espanhol é um dos investidores do fundo espanhol que comprou o quarteirão da Suíça. O Fórum Cidadania apela agora a Rafael Nadal que impeça o fim da histórica pastelaria, que vai fechar portas a 31 de Agosto.
“Estimado Rafael Nadal, não mate as nossas memórias”. O pedido vem na carta que o movimento de cidadãos Fórum Cidadania decidiu escrever a Rafael Nadal, o tenista espanhol que é investidor do fundo imobiliário que comprou o quarteirão da Pastelaria Suíça, que vai abandonar o espaço que ocupa desde 1922.
A histórica pastelaria do Rossio vai fechar portas no final de Agosto, depois de o senhorio os ter notificado há dois anos de que não tinha interesse em renovar o contrato de arrendamento que cessa a 31 de Outubro, diz ao PÚBLICO Fausto Luís Roxo, sócio-gerente da casa.
Face à notícia do encerramento, o Fórum Cidadania Lx decidiu escrever uma carta, em castelhano, ao tenista espanhol, em jeito de sensibilização para a importância que a Suíça (e não só) tem na história da cidade. Falam de outras casas do quarteirão como a Pérola do Rossio (loja de renome de chá e cafés), a Casa da Sorte (apostas), a Ourivesaria Portugal, a Antiga Casa do Bacalhau, “cuja história na cidade é tão importante que não há ninguém em Lisboa que não saiba onde é o ‘Quarteirão da Suíça’”.
“Todas estas lojas têm um grande valor para o investimento de Rafael Nadal em Lisboa, se essa (a salvaguarda destas lojas) for a sua decisão”, escrevem os cidadãos.
Na Suíça, o dia foi passado a atender jornalistas e lisboetas. A notícia, anunciada pela câmara de Lisboa, espalhou-se rapidamente. Há quem tenha parado para confirmar se é mesmo verdade. Os acenos de cabeça diziam que sim, ainda que os funcionários da casa não se tenham alongado em comentários. “Olhe a cara delas todas tristes”, reconhece Fausto Roxo, de 91 anos, enquanto olha para Manuela Matias, de 53, que ali trabalha desde os 23 anos e é um dos 46 funcionários efectivos da casa.
“Tenho muita pena”, diz a funcionária. “Ouvia-se falar, mas nunca pensámos que isto ia fechar”. Pensaram que o prédio podia entrar em obras, mas que depois voltaria a funcionar normalmente, tal como aconteceu na altura das obras da estação de metro do Rossio.
A Pastelaria Suíça abriu portas em 1922 e, ao longo de quase um século, foi ponto de encontro de intelectuais judeus que fugiam da II Guerra Mundial, como Peggy Guggenheim, Max Ernst, Hannah Arendt, que pararam em Lisboa antes de conseguirem chegar aos Estados Unidos. Anos depois, também Orson Welles, Maria Callas e Edward Kennedy ali foram clientes, escreve o Fórum Cidadania, que acredita ainda que se a Suíça for recuperada à imagem do que foi nas décadas de 1960 e de 1970, “será o espaço ideal para o futuro hotel de Nadal em Lisboa, uma referência de que este necessita".
Ao longo dos últimos anos, grupos imobiliários têm-lhes batido à porta à procura de informações sobre o prédio. “Andaram sempre a pescar, até que o senhorio acabou por vender a este fundo”, diz Fausto Roxo. A pastelaria tem nove fracções arrendadas, pelas quais paga cerca de 5000 euros todos os meses.
De há ano e meio para cá, as obras nas fachadas voltadas para Praça da Figueira não têm facilitado o negócio. “Hoje estamos reduzidos a 50% da receita que fazíamos”, afirma Fausto Roxo.
“Nós só decidimos mandar aquela carta à câmara [a pedir a saída do programa Lojas com História] quando fizemos contas. Não conseguíamos ficar aqui mais cinco anos. Se já não conseguimos agora quando começarem com as obras do prédio ainda é pior. Quem é que se vai sentar ali?”, atira o sócio-gerente, apontando para a esplanada que ficará debaixo de andaimes.
O Fórum Cidadania pede ainda que se recuperem os edifícios e se preservem as mansardas pombalinas. No final, deixam ainda uma crítica à intervenção feita na fachada do edifício que está voltada para a Praça da Figueira: “Aproveitamos também para lhe pedir que mande retirar, rapidamente, das fachadas dos edifícios os azulejos horríveis que foram colocados e lhes sejam devolvidas as paredes pintadas como sempre foram e assim era apanágio do pós-terramoto de 1755”.