Arriva prevê 800 mil a 1,6 milhões de passageiros na ligação Corunha-Porto
Chama-se Arriva Spain Rail a empresa que vai operar entre a Corunha e o Porto em finais de 2019. Juan Ignacio García de Miguel, líder da Arriva España, diz que quer integrar serviço ferroviário com a rede de autocarros da Arriva Galicia e Arriva Portugal para apostar na multimodalidade.
Em entrevista, Juan Ignacio García de Miguel, CEO da holding Arriva España, admite que o projecto poderá derrapar para 2020 e diz que está dependente do regulador espanhol que analisará se este serviço irá ou não fazer concorrência ao operador estatal Renfe. É também à Renfe que a Arriva admite poder vir a alugar comboios para este serviço, embora a ideia inicial seja comprá-los. A CAF, a Talgo e a Stadler são os fabricantes possíveis.
Este projecto foi decidido na Alemanha pela DB ou é da Arriva Espanha?
Está lançado pela Arriva Espanha. A Arriva é uma multinacional de origem britânica que em 2010 foi adquirida pelo grupo alemão Deutshe Bahn (DB), mas que tem alguma independência quanto à sua gestão. É verdade que para fazer investimentos temos que nos submeter bastante ao critério alemão, mas a Arriva é uma empresa internacional e nos 14 países onde estamos a operar, Espanha é apenas mais um.
A decisão partiu de Madrid?
Daqui partiu a oportunidade de negócio. Nós visualizámos essa oportunidade para lançar o projecto e quando tivermos que fazer os investimentos necessários, a DB estará envolvida. Mas ainda há um longo caminho a percorrer. Estamos num estádio muito inicial e não é para lançar o comboio já amanhã.
Como surgiu a ideia?
A Arriva Galicia está muito implementada na região e a Arriva Portugal também é muito forte no Norte de Portugal. Por isso achámos que poderíamos oferecer aos passageiros algo que actualmente não existe: um serviço multimodal entre o autocarro e o comboio. Podemos recolher os passageiros desde os vários “pueblos” à volta da Corunha e transportá-los no comboio para Portugal e aí estes seguirem viagem nos nossos autocarros Arriva para diferentes destinos.
Está prevista algum tipo de bilhética que permite aos vossos passageiros viajar com o mesmo título de transporte nos comboios da CP e da Renfe?
De momento isso não está previsto no nosso modelo de negócio. Mas pode vir a acontecer no futuro.
Com que comboios vão operar entre a Corunha e o Porto?
Como há um troço de linha que não estará electrificado [Viana do Castelo – Valença], é preciso usar material circulante que possa superar esse obstáculo. Para isso temos vários fabricantes nacionais, como CAF e a Talgo, ou internacionais, como a Stadler, um fabricante alemão. Na Holanda temos uma linha entre Leeuwarden e Groningen que não está toda electrificada e aí usamos um comboio híbrido [a diesel e eléctrico]. A própria Renfe tem material circulante que poderia ser útil para este projecto. Mas isto são meras opções. Insisto em que estamos num estádio muito prévio.
Admite a possibilidade de alugar comboios à Renfe?
Sim. E a Renfe está de acordo, até porque possui comboios com a mesma bitola de Portugal e Espanha.
Anunciaram que fariam o percurso Corunha – Porto em 2 horas e 43 minutos. Mas isso é impossível tendo em conta o estado da infra-estrutura, sobretudo na parte portuguesa. Mantém esse tempo de viagem?
Os nossos técnicos dizem que essa distância pode percorrer-se nesse tempo. Li no diário PÚBLICO que não, mas assim como há especialistas que dizem que não é possível, há especialistas que dizem que sim.
Actualmente, só entre o Porto e Vigo tarda-se 2 horas e 20 minutos.
Mas é porque não estão a aproveitar a velocidade a que se pode percorrer a linha. Nós não vamos operar com alta velocidade, mas sim com velocidade alta pois essa é viável nos troços em Espanha.
Já têm resposta da Comissão Nacional de Mercados e Concorrência para poderem ser operadores ferroviários?
Não é a CNMC que dá a licença de operador ferroviário, mas sim o Ministério de Fomento. A normativa europeia obriga a liberalizar o sector ferroviário a partir de 2020, mas os comboios internacionais e os comboios turísticos estão fora desse prazo e podem operar já em 2019. A CNMC vai decidir se o serviço que nós propusemos é um serviço internacional para o poder autorizar. Já passaram 15 dias e a Renfe e o Adif [entidade homóloga da Infraestruturas de Portugal] deveriam ter-se pronunciado se consideravam que este é um serviço internacional, mas pelos vistos devem considerar que sim porque não se opuseram. E agora estamos à espera de uma segunda etapa da nossa proposta que tem a ver com a possibilidade de podermos captar passageiros dentro de Espanha para Espanha e dentro de Portugal para Portugal. É aquilo a que vulgarmente se chama cabotagem. Ora isso pode comprometer as obrigações de serviço público que estão incumbidas à Renfe.
E isso pode impedir que vocês aceitem passageiros com origem e destino em Espanha e sejam obrigados a só transportar passageiros de serviço internacional?
Pode acontecer. Mas para isso têm que provar que o facto de aceitarmos passageiros não internacionais compromete a rentabilidade e o equilíbrio económico-financeiro do operador estatal.
Então onde está a desejada concorrência de mercado que tanto defende a União Europeia?
(risos) Bom, isso de qualquer maneira chegará em 2020. Também não há que ter muita pressa. Nós o que vimos foi a oportunidade de entrar no mercado ferroviário - sem necessidade de esperar até 2020 – num corredor que entendemos que é rentável.
Qual a estimativa deste investimento?
Depende. Achamos que podemos fazer este serviço com dois comboios. Pensámos em comprá-los, mas se chegarmos a uma solução de compromisso com a Renfe e alugarmos o material circulante, então o investimento será menor. Se comprarmos comboios, aí o investimento será superior, mas depende dos preços. Os da Stadler não serão iguais aos da CAF, nem estes aos da Talgo.
O capital para o investimento é alemão?
É sempre a Alemanha que nos financia. A Arriva é uma entidade independente, mas o seu accionista é 100% alemão, é o grupo DB. Portanto todo o investimento e a decisão final vêm da Alemanha.
Quantos passageiros esperam por ano?
No nosso estudo de mercado prevemos uma procura entre 800 mil a 1,6 milhões de passageiros, consoante um cenário péssimo ou um cenário óptimo. Há presentemente 11 milhões de pessoas por ano que se deslocam entre Corunha e a fronteira.
E receitas?
Também depende do modelo de negócio. Depende dos custos que tenhamos de assumir por parte da infraestrutura ou pelo aluguer de material circulante, se for o caso.
Quantos postos de trabalho serão criados com o vosso projecto?
É muito cedo para saber isso.
Até agora não deu entrada no IMT nenhum pedido vosso para serem operadores ferroviários em Portugal.
Não. Porque disse-nos o regulador espanhol que esse trâmite é gerido entre ele o regulador português.
Que tipo de passageiros contam ter no vosso serviço?
Haverá gente jovem. Neste corredor já viaja muita gente em automóvel e pretendemos fazer deslizar parte desse movimento para o caminho-de-ferro. Queremos que essa gente jovem que actualmente se desloca em autocarro possam mudar para este novo serviço. O aeroporto do Porto também é um bom mercado porque tem muitos voos internacionais.
Como foi recebido o anúncio de um novo operador ferroviário em Espanha?
Mediaticamente teve muito impacto, mas porque coincidiu com um grande debate que está a haver sobre a intenção da AirNostrum [companhia aérea espanhola de tráfego regional] querer explorar uma linha ferroviária internacional Madrid – Montpellier. Quando a AirNostrum solicitou essa linha, tanto a Renfe como o Adif, ou seja, o Ministério de Fomento, manifestaram-se contra.
Porquê?
Eu não faço juízos de valor sobre o que é ou não um serviço internacional, mas a verdade é que só o troço Madrid - Barcelona é um dos corredores fundamentais da Renfe e é coincidente com o Madrid – Montpellier. No nosso caso, creio que esse problema não se coloca porque o troço Vigo – Porto, que já é explorado pela Renfe e pela CP, não é propriamente um corredor fundamental. Por isso, o nosso serviço não colide tanto com o operador espanhol. Mas como a nossa proposta coincidiu no tempo com o debate sobre a AirNostrum e o Madrid-Montpellier, fizeram-se muitas comparações.
Em que se distinguirá o vosso serviço?
Actualmente o serviço entre a Galiza e Portugal não conta com comboios modernos, o que para nós é uma oportunidade de negócio pois com material mais moderno e com a nossa rede de autocarros para captar passageiros para as estações da Corunha e Porto, podemos melhorar muito a procura deste serviço.
Em Portugal parece que há duas Arrivas: a Arriva Portugal, no Norte do país, e a TST [100% detida pela Arriva] na zona Sul. Vai haver mudanças nesta estrutura?
Não tenho ideia. Isso é com António Correia de Sampaio [administrador dos TST]. Mas apesar de ser ele que supervisiona a Arriva Portugal, será o Manuel Oliveira [administrador da Arriva Portugal] que vai trabalhar mais connosco.
Se isto funcionar bem, têm mais planos para operar noutras linhas em Portugal?
Terá de perguntar ao António Correia de Sampaio. Eu só posso responder por Espanha. E aqui a Arriva quer posicionar-se como o operador ferroviário privado mais importante de Espanha. Já estudámos vários corredores, já estudámos potenciais comboios turísticos e também mais algum troço internacional, mas temos que ir passo a passo. Vamos ver como corre este primeiro contacto com as entidades ferroviárias de Espanha e Portugal e depois logo vemos.