Escola 2018 – O que é que terá de mudar?

O sistema tem de mudar, colocando à frente do interesse e subordinação a interesses corporativos, os interesses das crianças e famílias do país e das comunidades.

Trabalho há mais de 40 anos sobre a realidade escolar e não canso de me espantar cada vez que vejo números como os que há dias apareceram no PÚBLICO (artigo de Clara Viana, "Número de alunos continua a descer, mas há mais professores").

Tudo acontece como se fosse apenas uma questão de números, como se tudo fosse normal e as questões subjacentes da jornalista surgem com respostas de circunstância, como se tudo fosse normal.

Explico: será normal que cerca de um quarto (26,5%) de alunos do 2.º ciclo acabem o ano com nota negativa a Matemática e 13% a Português, sabendo-se que entraram ainda com nota mais baixa nesta disciplina?

Duas grandes interrogações: uma, quase infantil (lembro-me que pensava assim quando ainda era pequena!), seria de saber se os mais de 50% de matéria que não terão apreendido não teriam sido necessários para prosseguir nos estudos, já para não dizer, para a vida. Porque parte-se do princípio que se estava previsto, nos currículos, que as crianças tivessem essas aprendizagens, teria sido necessário que as ficassem a saber. E quem lidou com esses cidadãos, jovens ou adultos, percebeu que era mesmo uma falha que tinham nas suas vidas. 

Diria quase que retirar-lhes essa bagagem quando terão de enfrentar a Sociedade do Conhecimento tem a gravidade de diminuir os direitos de cidadania. Robert Lindley, em Para uma Europa da Inovação e do Conhecimento (2000), afirma que, “no essencial, a relação entre competências e exclusão social é muito menos direta do que seria de desejar”.

A segunda interrogação passa por saber o que se faz em cada escola, em cada turma quando os professores se deparam com esta situação. O que está previsto no quadro da organização escolar? Na grande, grande maioria das escolas não se faz nada. No melhor dos casos, os professores queixam-se como se algo inédito lhes tivesse acontecido.

Peguemos no caso do Português. Bem sei que há o currículo nacional e que o aluno que teve negativa não o terá cumprido. O que acontecerá a este aluno se não domina o Português logo à entrada no 2.º ciclo? Será que o seu insucesso nesta disciplina revela mesmo a sua competência literacia, isto é, que não será capaz de extrair o sentido de um texto escrito necessário ao seu quotidiano (definição)? E, para além de outras atividades, esta competência não será necessária para, ao longo da sua escolaridade, ler, estudar compreendendo, responder aos testes de Português e das outras disciplinas? Claro que os professores todos se queixam e alguns até tentam estratégias para ajudar, por exemplo, lendo alto o teste no início das provas... Já em 1992 a OCDE lançou um alerta, revelando um estudo em que se verificava que cidadãos dos países membros, por vezes com dez anos de escolaridade, não tinham a competência literacia que lhes permitia responder às suas necessidades profissionais (em Portugal eram quase 80% que não detinham esta competência!).

E em Portugal, que os nossos governantes mostram estar – justamente! – tão preocupados com o nível baixo das qualificações, parece que o problema da Educação se centra apenas na colocação de professores. Atrevia-me a dizer que o nosso sistema educativo é caótico neste domínio. Independentemente de pensar a razão por que os professores são um grupo social privilegiado em relação a outros jovens desempregados, talvez com maiores competências para resolver estes problemas, pergunto: tem o professor, que é colocado num determinado local e com funções específicas, competências para as resolver? Que competências têm? O que consta no seu currículo?

Este problema parece não interessar. Interessa apenas colocá-lo, a fazer não se sabe o quê, desgostando-lhe inicialmente a vida por quererem que faça aquilo que não sabe (por exemplo, alfabetização de adultos!) ou tornando-se, ao longo dos anos, indiferente ao que o mandam fazer, "esquecendo-se” de aferir o resultado da sua ação. A chamada pedagogia burocrática vai-lhe transformando os objetivos de vida para querer apenas ter um meio de subsistência sem ter problemas com os seus superiores.

Sabemos hoje que o insucesso escolar não é uma fatalidade, que a prevenção compensa! Que as crianças em idade pré-escolar – aquelas que, durante a troika, deixaram de ir ao Jardim de infância por o pai ou a mãe terem estado desempregados ficando com elas em casa, sem dinheiro para pagar a despesa de as mandar à escola! – podem ter uma pedagogia que lhes ofereça a relação com a leitura e a escrita que não poderão ter em casa e que os seus pais podem ser ajudados a acompanhá-las se tiverem uma oferta de Educação de adultos adequada às suas necessidades.

Sabemos que uma adequada pedagogia de projeto – como se faz na Escola de Segunda Oportunidade de Matosinhos – permite a crianças em risco chegar às competências que outras adquirem porque os pais as sabem ajudar ou pagar explicadores. Basta estar atento a cada uma delas, a recorrer a projetos de aprendizagem na linha da Educação Permanente numa formação para a vida ativa e para a cidadania. 

E sabemos que é necessário reorganizar as Escolas reconhecendo que os professores são pessoas, compensando-os pelos seus méritos, partindo do mais evidente que é o reconhecimento das suas competências específicas, selecionando-os de acordo com os seus currículos, dando-lhes formação específica e colocando-os a fazer o que é necessário a cada local, a cada comunidade. Será bom para eles, para as escolas e para os meninos. Todos os anos se perdem projetos (e meninos com eles) porque a equipe que os dinamizava na Escola foi colocada noutro sítio, desesperada pelo que abandonava em meio, tendo de recomeçar novas aprendizagens e... frustrações.

A organização para a criatividade curricular tem de poder escolher os seus professores, de os formar e de avaliar as competências e o empenho que demonstraram assumindo que não são todos iguais, que não são números para corresponder a outros. Por isso, o sistema tem de mudar colocando à frente do interesse e subordinação a interesses corporativos, os interesses das crianças e famílias do país e das comunidades.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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