A vitória de Alexandria é um trunfo ou um aviso para o Partido Democrata?
Uma jovem activista latina da campanha de Bernie Sanders derrotou um congressista bem estabelecido num círculo eleitoral de Nova Iorque. Os progressistas podem fazer descarrilar a eleição pela esquerda
A eleição nas primárias democratas em Queens (Nova Iorque) de Alexandria Ocasio-Cortez, uma activista de 28 anos que trabalhou na campanha presidencial de Bernie Sanders, era tudo menos previsível. Mas a latina de origem porto-riquenha bateu Joe Crowley, o congressista que já tinha dez eleições vitoriosas e que era apontado como um possível sucessor de Nancy Pelosi como líder dos democratas no Congresso.
Da última vez que Crowley teve um opositor sério, em 2004, Ocasio-Cortez ainda nem sequer tinha idade para votar, nota o New York Times. Mas esta eleição representa um aviso para o Partido Democrata. É uma mudança geracional — e um sinal de que os progressistas, não alinhados com o discurso e a prática política tradicional do partido, podem ter uma palavra a dizer nas eleições de Novembro. Tal como aconteceu, aliás, em 2016, com a entrada do senador Bernie Sanders na corrida democrata às presidenciais.
A campanha de Ocasio-Cortez — que, se for eleita, face ao republicano Anthony Pappas, será a mulher mais jovem de sempre no Congresso dos EUA — gastou 300 mil dólares, em comparação com a de Crowley, que gastou uns esmagadores 3,3 milhões, dez vezes mais. E bateu Crowley com 57,5% dos votos.
A própria candidata ficou chocada com a sua vitória. “Sou uma organizadora nesta comunidade, e sabia que era possível. Sabia que era difícil, mas sempre soube que era possível”, disse, embora com um ar muito surpreendido.
Esta empregada de mesa natural do Bronx, que concorre num distrito eleitoral que abarca áreas do Bronx e de Queens, fez intensa campanha junto dos eleitores e das redes sociais, e conseguiu captar a atenção dos media de esquerda. Num perfil no site Intercept foi classificada como alguém capaz de “mudar o jogo” — o que levou a que fosse procurada para mais perfis e entrevistas sobre o desafio que estava a montar e depois foi uma montanha russa.
Tornou-se um fenómeno: na última semana de campanha, Ocasio-Cortez visitou um centro de detenção de imigrantes no Texas, e falou com a revista Vogue sobre as suas expectativas eleitorais, relata o Washington Post.
Efeito de proximidade
A senadora Kirsten Gillibrand, uma figura democrata de topo, que lidera um comité de acção política que apoia mulheres candidatas, tinha recusado reunir-se com Ocasio-Cortez — e apoiou Crowley.
Ocasio-Cortez explicava que decidiu candidatar-se contra Crowley porque ele era “democrata das grandes empresas”, que recebia mais dinheiro dos comités de apoio à eleição do que dos dadores locais, e dos empreiteiros que estavam a fazer disparar os custos da habitação. Que ele tinha votado pela guerra no Iraque. Que tinha votado a favor da lei que criou a muita odiada comissão que gere a crise da dívida de Porto Rico, um território incorporado nos EUA mas não com todos os direitos de um dos estados dos EUA.
“O meu avô morreu na tempestade”, tweetou Ocasio-Cortez em Maio, referindo-se ao furacão Maria, em 2017. A contagem oficial de mortos continua a ser de 64, mas o número real de vítimas pode chegar a perto de 5000, por causa da falta de auxílio e das más condições no território por causa da bancarrota, segundo um estudo publicado no mês passado na revista médica The New England Journal of Medicine.
Esta maneira de falar de forma simples, das coisas que preocupam as bases democratas — e o factor de ter conseguido tornar-se uma estrela mediática, certamente — contribuíram para a vitória de Ocasio-Cortez.
Já Joe Crowley, o candidato derrotado, era há muito um dos fazedores de reis do partido democrata nova-iorquino, bem conhecido por ser um ambiente onde se deve andar em bicos de pés e ver bem onde se pisa. Ganhou o efeito proximidade.